segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Meu Querido Armário, Minha Amada Cama, Minha Inesquecível EPCAR

Meu Querido Armário, Minha Amada Cama, Minha 

Inesquecível EPCAR

Jober Rocha



Todos aqueles que estudaram em escolas militares, com 

certeza, lembrar-se-ão com saudades do seu velho armário e da 

sua velha cama naquelas organizações militares. Únicos bens 

duráveis de que dispunham, substituíam o armário e a cama que 

possuíam em casa e constituíam o refúgio de todos, quando, com 

saudades dos familiares, neles se refugiavam para contemplar 

algumas fotos, esquecer as agruras do dia a dia e lembrar-se dos 

entes queridos.

Na Escola Preparatória de Cadetes do Ar, localizada em 

Barbacena, Minas Gerais, os cerca de setecentos e cinqüenta 

alunos matriculados nos três anos do ensino - correspondentes ao 

denominado Curso Científico, existente naqueles idos da década 

de 1960 – dispunham, cada um, de um armário e de uma cama. As 

vezes a cama estava situada próxima do armário, outras vezes 

distante.

Os armários, de madeira, possuíam cerca de um metro e 

oitenta de altura, por sessenta centímetros de largura e cinqüenta 

de profundidade e um número localizado em cima da porta. Nele 

teriam de caber todas as posses dos alunos, que eram 

relativamente poucas, mas absolutamente muitas. Embora todos 

fossem completamente honestos e de boa formação cívica e 

moral, os armários eram mantidos fechados com cadeados, às 

vezes com mais de um.

Dentro deles, não havia gavetas, mas, sim, prateleiras, onde 

os uniformes militares, e as roupas civis deveriam ficar todas bem 

arrumadas. A arrumação era fundamental para que coubesse tudo 

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em tão reduzido espaço. Na prateleira de cima (primeira 

prateleira) costumavam ficar os quepes, os bicos de pato (bonés), 

os bibicos (casquetes), as platinas (ombreiras) e o capacete de 

fibra. Na prateleira de baixo (segunda, que era maior do que as 

demais), ficavam pendurados, em um travessão, o uniforme de 

passeio (Quinto A Rumaer), a japona, a pelerine, o terno civil, 

algum casaco civil, camisas civis e camisas de manga comprida 

usadas com o quinto uniforme. Na terceira prateleira ficavam as 

camisas militares de manga curta (canículas), as camisetas sem 

mangas de ginástica, os calções de ginástica e as sungas de 

natação. Na quarta ficavam as meias, as cuecas, a bleusa, a 

ceroula, toalha de banho e de rosto, bem como os pijamas. Na 

quinta e última prateleira ficavam as sapatilhas de ginástica, os 

borzeguins, o bute, o sapato preto do quinto uniforme e o sapato 

de uso civil.

Na porta dos armários existiam dois ou três compartimentos 

onde eram guardadas as escovas de dente, a pasta, o sabonete, o 

papel higiênico, a graxa de sapatos e a escova de polir, as insígnias 

e a latinha de Kaol (polidor de fivelas). Na porta existia, também, 

um local para pendurar os cintos, cinturões e gravatas pretas do 

quinto uniforme.

Basicamente, nisto tudo se constituía oficialmente o armário

de um aluno. Entretanto extra-oficialmente, os armários 

comportavam alguns outros itens: armas de fogo, armas branca, 

fotos de familiares, de namoradas, fotos de mulheres nuas, 

camisinhas, maços de cigarro, talheres e canecas de aço 

surripiados do rancho, latas de doce recebidas de casa e enviadas 

pelas mães, pacotes de biscoito, cartas de parentes e namoradas, 

etc.

Alguns veteranos possuíam dois ou, até mesmo, três 

armários. Os alunos que desligados ou que pediam seu 

desligamento durante o ano letivo, eram obrigados a desocupar os 

armários e entregá-los de volta. Estes, logo em seguida, seriam 

ocupados por alguns veteranos mais espertos que retiravam suas 

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prateleiras e os utilizavam como esconderijo para não irem à 

parada diária do meio-dia, antes do almoço. Terminada as aulas da 

manhã, tais alunos dirigiam-se ao alojamento, onde se escondiam

nos armários vazios, para não irem à parada diária de passagem do 

serviço de aluno de dia e de seus auxiliares. Finda a parada, 

quando todos se dirigiam para o rancho (refeitório) eles saiam, 

sorrateiramente, do armário e se incorporavam àqueles que para 

lá se dirigiam. Uma vez ou outra, alguns deles eram apanhados 

nesta infração e ficavam de licenciamento sustado (sábado e 

domingo sem poder ir à cidade de Barbacena). Nos casos de 

reincidência, podiam pegar alguns dias de detenção na escola ou, 

mesmo, alguns dias de prisão.

As camas que os alunos possuíam (a sua maioria de madeira; 

porém, também, havendo alguns beliches de metal, com lonas 

amarradas em travessões de ferro, servindo de colchão), deveriam 

ser impecavelmente arrumadas todas as manhãs. Um lençol 

colocado sobre o colchão, um cobertor sobre o lençol, uma colcha 

sobre o cobertor e outro cobertor, arrumado aos pés da cama, 

formando o desenho de uma aza. A revista de camas feita pelo 

aluno de dia, anotava aquelas mal arrumadas para uma eventual 

punição.

Naquelas camas sonhávamos, logo após o toque do silêncio, 

com nossas namoradas, com nosso futuro na Força Aérea, com 

nossas mães, pais e irmãos. Daquelas camas teimávamos em sair 

nos dias frios de inverno. Naquelas camas vomitávamos nos 

sábados e domingos, quando, tendo bebido muito nos bares da 

cidade, chegávamos bêbados à escola e desabávamos na cama 

para, em seguida, vomitar as tripas e sermos levados pelos

companheiros para um banho frio no banheiro, de modo a curar a 

bebedeira. Naquelas camas ressonávamos, sob os olhares atentos 

do plantão da hora; que, em algumas ocasiões, também ressonava 

junto conosco.

Aquela era a nossa nova casa, onde tínhamos tudo de que 

precisávamos como jovens: um armário, uma cama, uma 

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namorada e dezenas de amigos. Quem dera que a nossa vida 

continuasse sempre assim, sem sofrimentos, sem mortes, sem 

desilusões, sem traições, sem desavenças. Quem dera que 

continuássemos, para sempre, acreditando nos valores que ali 

aprendemos e passamos a cultuar, após deixarmos aquela querida 

escola palco de tanta brincadeira, de tanto sacrifício e de tanta 

felicidade.

Infelizmente, quantos tiveram a existência abreviada, tão 

logo deixaram a Epcar, seja desempenhando missões como 

militares ou em suas atividades na vida civil. Entretanto, resta-nos 

o consolo de saber que não convivemos todos juntos, no período 

mais importante de nossas vidas, por um simples e desarrazoado 

acaso; pois este, segundo filósofos e religiosos, não existe. As 

amizades, ali surgidas e consolidadas, serão certamente eternas. 

Nossos espíritos se reconhecerão para sempre, seja quando 

encarnados em outra existência (como crêem os espíritas), seja

ainda na dimensão etérea (como crêem as demais religiões).

Estou convencido de que meus sentimentos são 

comungados por todos aqueles que passaram pela Escola 

Preparatória de Cadetes do Ar, mesmo que por apenas alguns 

meses; bem como, por qualquer aluno de escola militar, seja em 

que país do mundo for.

Ao relembrar aqueles tempos de incrível felicidade, em que 

o mundo nos pertencia, quando ainda desconhecíamos o que o 

destino nos reservava e contávamos com nossos pais, mães e 

irmãos ao nosso lado, sou tomado pela emoção e, com lágrimas 

nos olhos, agradeço ao Criador a graça que me proporcionou de 

ter vivido a vida que vivi...

Rio de Janeiro, novembro de 2014

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