terça-feira, 3 de dezembro de 2013

UMA NOVA POL[ÍCIA

    UMA NOVA POLÍCIA
Güido – Asp78       Assis (SP)
O direito à livre manifestação é fundamentalmente um direito à crítica. Os mais expostos ficam, portanto, mais sujeitos ao ‘olhar’ dos críticos na exata medida de sua presença amiúde nos fatos sociais mais amplamente noticiados. Assim, as pessoas e ou instituições que ficam confortavelmente instaladas em suas respectivas ‘torres de marfim’ ficam menos suscetíveis.
Nesse sentido, se existe uma instituição pública que fica permanentemente na ‘vitrine’ é a polícia. Em especial, a polícia fardada, que, por força de suas atribuições constitucionais, está nas ruas 24h ao dia em contato direito com as mais diversas mazelas sociais.
Seus integrantes vivem cotidianamente ‘na pele’ os efeitos das  políticas públicas causadoras de uma dos maiores níveis de desigualdade social e de má distribuição de renda. Se a desagregação familiar evolui, se a ordem jurídica  instituída mostra-se inócua diante da realidade ou, ainda,  se os governos são  condescendentes  e ou impotentes para lidar com o tráfico de drogas e de armas é a polícia o órgão público que diretamente sentirá suas consequências. E, em decorrência, é sobre ela que incidirão as críticas e acusações pela ineficiência de outros segmentos.
É o órgão público mais visto, e por tal, segundo a mais elementar lógica publicitária, o mais lembrado, sobretudo quando o foco é a crítica à má qualidade dos serviços públicos oferecidos à população. Com efeito, é o mais cobrado e mais atacado por esse estado de coisas, esquecendo-se os críticos que, no  âmbito específico da criminalidade, a polícia atua sobre os efeitos e não as causas retroalimentadoras da delinquência.
Relativamente ao contexto mais agudo, este representado pelos crescentes índices criminais, as outras esferas governamentais ficam silentes, como soe acontecer. A imprensa sequer os procura ou quando o fazem não são atendidos. Então sobra a “Geni” para ser objeto de implacáveis análises, em especial de setores com alguma dose de revanchismo por fatos do passado que não se cansam de reverberar.
Blindados por essa ‘zona de conforto’, os segmentos com interface necessária com a segurança pública, mostram-se indiferentes. É como se não fizessem parte do sistema. Afinal, aos ‘olhos’ da população e ou da mídia,  aos fatos graves decorrentes do recrudescimento da violência que campeia indistintamente em todos os rincões do país nada teria a ver com o seu papel institucional, querem fazer crer.
Observam, comentam, arriscam-se a uma ou outra análise como alguém que não faz parte integrante da estrutura oficial coresponsável pela solução e ou minimização da grave crise de insegurança instalada há alguns anos. Pensam: o problema não é nosso!   
Enfim, a polícia fardada é a que sofre na ‘pele’ com  o ‘faz de conta’ governamental. Em regra, os membros dos poderes constituídos e seus familiares contam com aparato estatal para lhes prover segurança. Com efeito, distanciam-se dos  reais anseios dos cidadãos contribuintes, para muitos dos quais  as críticas dirigidas unicamente ao aparato policial como legítimas. Sem perceber, acabam aceitando a ideia de que a polícia é a  responsável exclusiva pela insegurança pública. Graças a esse cenário, as autoridades políticas com real poder de transformação do quadro adverso se escondem.
Outro ponto desconsiderado refere-se ao ambiente e ao momento de atuação da polícia fardada. Sua presença está sempre associada a fatos graves, lamentáveis, reveladores da inacreditável capacidade humana de fazer o mal.  Lida ela, portanto, com as situações limites. Significa dizer que está sempre no ‘fio da navalha’, entre o morrer ou matar. Está sempre no ‘olho’ do furacão. Ou no epicentro dos ‘terremotos’ sociais.
Entre matar ou morrer, o policial fardado dispõe não raro de poucos segundos para decidir qual postura adotar. Mesmo numa ocorrência envolvendo agressão doméstica é comum deparar-se com o marido absolutamente transtornado e, por isso, totalmente refratário à ação policial presente no interior de sua casa.
Bêbado ou drogado, investe contra os policiais com fúria tal que se não houver destreza e alto nível de autocontrole ensejaria disparo que poderia ser letal contra esse potencial agressor. Estatisticamente, contudo, tais fatos reveladores da contenção no uso dos meios letais nunca integram os relatórios publicados por algumas entidades observadoras da ação policial. Chega-se mesmo a duvidar se de fato interessa a tais entidades pesquisar e compilar tais informações em seus retumbantes relatórios!
Pelo que é dado observar, o enfoque dessas entidades é, não raro, buscar dados aptos a confirmar determinadas teses pré-estabelecidas. Supondo que a polícia fardada matou mais no período comparativamente ao período anterior cinge-se a compilar os dados publicados pelas próprias polícias indicando o crescimento da letalidade em suas operações. Como se esses agentes saíssem às ruas com a predisposição de matar apenas pelo prazer de matar.
Quando o policial mata ou fere alguém em serviço sabe de antemão que estará sujeito a uma série de graves consequências legais. Fatos dessa natureza o colocam no centro de inúmeras apurações, por distintos órgãos, e, portanto, submetido ao crivo implacável das sanções correspondentes se a conduta não for reconhecida como uma das excludentes da criminalidade pelo Código Penal.
A veiculação de dados isoladamente considerados revela apenas um cenário. A partir dele é preciso uma análise multidisciplinar a fim de identificar o real significado das informações obtidas. Reputar, adrede, que o aumento da letalidade policial é, por exemplo, sintoma de despreparo e de uma política oficial de extermínio é no mínimo açodamento, podendo ainda desnudar preconceito ou engajamento ideológico.
Curiosamente, por outro lado, não há nenhuma entidade externa  pesquisando como são formados e treinados esses profissionais, a infraestrutura oferecida pelo poder público para a atualização regular desses agentes públicos fundamentais à proteção social. Nenhuma entidade cuida, estranhamente, de promover sondagem sobre a política salarial empregada pelo poder público para compensar pecuniariamente  tamanha exigência de resistência ao estresse  e aos riscos profissionais cada vez mais acentuados.
Indaga-se: qual a entidade já se interessou em conhecer a carga horária de trabalho que a administração pública impõe aos policiais fardados? Seria esta carga horária adequada as peculiaridades da atividade? Qual seria a duração máxima do turno de trabalho que poderia ser exigida desses profissionais em face do elevado desgaste físico e psicológico que cada turno de trabalho ocasiona?
Enfim, inúmeras outras questões relevantes poderiam ser arguidas a fim de melhor compreender a dinâmica em que tais agentes atuam, porque algumas coisas acontecem ou não. A análise criteriosa, técnica, politicamente neutra dessas valiosas informações poderia representar substancial colaboração social, a partir da qual os governantes seriam pressionados a rever uma série de posturas contrárias à eficiência do aparato de proteção pública.
 Sobretudo,, porque não podendo o policial fardado rebelar-se contra  as arbitrariedades dos dirigentes políticos de ‘plantão, fica extremamente vulnerável a toda sorte de desmandos e preconceitos dos próprios governantes. Pergunta-se: alguém já se interessou de fato por essas e tantas outras questões relevantes antes de formular juízo de valor sobre a motivação e as propensões desses agentes estatais típicos?
A desatenção a essas questões indica que parcela significativa dos ditos especialistas em segurança pública, quando assumem o seu direito constitucional de expressar suas opiniões permite afirmar que o fazem mais por preconceito do que em razão de refletida análise estrutural.
Ditos especialistas baseiam-se, quando muito, em notícias veiculas pela mídia, em especial a televisiva e, neste caso, pela produção do jornal da  principal TV aberta do país, cuja sede na cidade do Rio de Janeiro lhe oportuniza reportar fatos envolvendo a PM Fluminense, sempre às voltas com a criminalidade organizada dos morros cariocas, sabidamente de difícil controle pelo domínio territorial sobre grandes áreas da cidade maravilhosa graças à conduta omissiva de diversos governadores ao longo dos anos, em especial pelo interesse meramente ‘eleitoreiro’ que a alegada não repressão policial ensejaria.
Privilegiando o populismo e o interesse eleitoreiro de não incomodar os chefes dos bandos criminosos, criou-se um caldo de cultura de absoluto desrespeito à lei e aos poderes constituídos. Ainda hoje, apesar de todas as mortes de policiais militares ocorridas nos duros embates contra esses feudos criminosos, as falanges criminosas resistem à pacificação.
Os policiais fardados, pressionados por todos os lados, buscam incessantemente recuperar tais áreas para a sofrida população submetida ao jugo criminoso. Nesse esforço, muitos morrem e muitos matam. Em alguns casos, em situação fora daquelas previstas estritamente na lei. E aí, então, desaba o mundo sobre eles. O tempo dedicado à veiculação desses nefastos episódios impressiona. Chega mesmo a indicar que só pode haver alguma razão por trás dessa prática claramente massiva.
Assim, cria-se ou reforça-se o estigma de policial fardado arbitrário, carrasco, despreparado, sanguinário, como se todos não se preocupassem em atuar dentro da legalidade, pois melhor do ninguém sabem o quanto sua instituição é implacável com os desvios de conduta.
Não vivem assim buscando agregar mais riscos à sua já tão frágil condição funcional. Pese não justificar qualquer conduta desviante é preciso notar que na maioria dos erros cometidos pelos policiais fardados há o interesse de querer prender algum criminoso violento ou chefe de grupos de alta periculosidade para a paz pública. Diferente são aqueles casos em que o agente policial se vende, vende a sua instituição e a confiança da população, cooperando com o crime. Este é um calhorda que deveria receber punição máxima.
Nesse cenário, aqui sintetizado, há sim uma situação de ineficiência dos serviços. A Polícia é acusada por tudo e por todos. As pessoas de modo geral desconhecem que não é ela quem elabora as leis, não é ela quem processa e julga, não é ela responsável pela ressocialização dos presos, não é ela quem deixa de fornecer vagas em creches para os filhos das mulheres que trabalham fora, não é ela quem não oferece vagas nas escolas, não é ela quem não remunera adequadamente os professores, e, portanto, não pode ser crucificada pela qualidade ruim do ensino público.
Não é ela quem deixa pessoas em macas no corredor, não é ela quem não gerencia competentemente a economia e por isso provoca demissão de trabalhadores e ou a incapacidade do sistema de absorver milhares de jovens que todo ano chegam ao mercado de trabalho. Não é ela, enfim, quem dá causa a uma enormidade de conflitos sociais que acabam desaguando sobre cada um de nós.
Apesar disso, é preciso mudar. E o que fazer para mudar com inteligência, sem ranços ideológicos, sem se deixar levar por sentimentos meramente corporativos? Essa é a questão central que coloca. Como fazer a mudança para que ela não torne a emenda pior do que o soneto. Temos coragem, destemor, visão de futuro, compreensão exata de todos os elementos envolvidos nessa delicada e complexa área para nos atrevermos a dar algum pitaco?
Se muitos falam a respeito, porque não expor algumas opiniões nessa delicada e complexa matéria. Irei fazê-lo com base em mais de trinta anos de convivência no meio, conhecendo suas entranhas, suas inúmeras virtudes, e, claro, seus defeitos. Vou ‘atirar’ em algumas direções nessa área naturalmente efervescente  quando alguém se propõe expor alguma direção destinada à reforma do modelo policial estadual.
É preciso, antes, porém,  cuidados preliminares para neutralizar os efeitos colaterais negativos de uma proposição institucional individual, representativa da visão isolada da corporação. É preciso, penso, associar a posição institucional sob a ótica de outras áreas governamentais e ou acadêmicas, sobretudo, daquelas que atuam no campo da pesquisa sobre a qualidade dos gastos públicos e o resultado prático das atividades de cada órgão do Estado.
Impõe-se, inicialmente, atribuir um norte magnético à proposta. É   imprescindível, acredita-se, propiciar elementos para a compreensão do papel constitucional dos demais órgãos integrantes do sistema nacional de justiça criminal. Eis que de certo modo,  referido sistema abrange não só a parcela do Judiciário voltado para o Direito Penal como também com os órgãos policiais que fazem interface com os órgãos judiciais criminais. E, por evidente, com o segmento do Ministério Público atuante na área criminal.
Por conta dessa perspectiva, as entidades representativas da Polícia Militar poderiam, por exemplo, convidar a Federação Nacional dos Policiais Federais a participar das discussões, pois esta,  segundo a matéria abaixo (reproduzida do site CONJUR), se opunha à aprovação da famigerada PEC nº37 exatamente porque defende o fim do inquérito policial.
Este posicionamento contrapõe-se ao da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF),  que defendia a aprovação da PEC nº37  manter a exclusividade da investigação criminal com a polícia dita judiciária.
Logo, se fosse aprovada a PEC alijaria o MP da fase preliminar  na apuração das infrações penais. Tudo caminhava para a aprovação não fora o clamor das ruas, como noticiou a imprensa.
 A questão da sobrevivência do inquérito policial entre nós é uma questão fulcral para a reforma ou não da estrutura atual dos órgãos de segurança pública no Brasil. Assim, quando um importante segmento da polícia judiciária federal publicamente critica esse instrumento legal é emblemático.
É preciso, pois, contar com esse caldo de cultura para discutir com profundidade a indispensabilidade ou não do inquérito. Afinal, trata-se de mera peça resultante da investigação, que, segundo muitos operadores do Direito, é por essa razão uma das causas do ‘engessamento’ e morosidade para a elucidação dos delitos. A isso se acrescenta o receio de que, não raro, e em algumas hipóteses, sirva mais a interesses escusos do que propriamente ao interesse público.
 Segundo a manifestação do Presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (matéria reproduzida abaixo), que congrega os agentes da instituição, tais servidores eram contrários à PEC nº37 por entender que a exclusividade da investigação na polícia judiciária representaria um retrocesso.
 Subliminarmente, é possível notar que essa declaração diz se inúmeros casos de grande repercussão somente foram esclarecidos graças à participação do MP. Ou seja, a sanção penal chegou aos praticantes dos crimes do ‘colarinho branco’ em razão, sobretudo,  do grau de independência que desfrutam os membros do “Parquet”. As vulnerabilidades institucionais das polícias judiciárias as tornam reféns do poder político, cerceando sua autonomia funcional em casos que envolvam personalidades políticas com cargos nos respectivos governos.
 A direção da mencionada Federação não poderia dizer, compreensivelmente, isso com todas as letras. Porém,  pese o crescente aumento do prestígio da Polícia Federal, notadamente depois da significativa melhoria de seus vencimentos, trata-se ainda de uma instituição submetida ao Poder Executivo, com cargos em comissão em especial na direção geral, sujeitando-se a toda sorte de interferências.
Os que a chefiam, os delegados federais, alguns com poucos anos na carreira, com as exceções de praxe, buscam crescimento profissional rápido, sujeitando-se às conveniências  do poder nomeante.
A essas considerações, pode-se acrescer que no plano estritamente jurídico, o instituto do inquérito policial acha-se superado diante de sua natureza inquisitorial, como o próprio nome indica, contrapondo-se à ênfase que a CF/88 deu às garantias do contraditório e da ampla defesa.
 Aliás, numa discussão mais aprofundada (e não é isso que cabe nesse instante) penso ser necessário debater com constitucionalistas chamados pós-positivistas o acréscimo que o constituinte de 1988 fez no dispositivo que na Carta de 1967/69 já assegurava o direito ao contraditório e à ampla defesa.
 Refiro à expressão ‘aos ‘acusados em geral’, oração adicionada na parte final do preceito que já previa as duas garantias acima indicadas. Antes de 1988 o contraditório e a ampla defesa eram exigidas nos  processos judiciais e ou administrativos. No texto original da atual Constituição Brasileira acrescentou-se que tais garantias também se aplicam aos ‘acusados em geral’. A extensão, o alcance e ou a amplitude dessa inovação não foi, ainda, no meu entendimento, discutida exaustivamente pelos grandes nomes do constitucionalismo nacional.
 Este ponto não mereceu até hoje minucioso estudo mesmo pelos arautos das garantias individuais. Dependendo de como se o interprete pode-se concluir que o contraditório e a ampla defesa seriam exigidas desde o inquérito, aonde afinal, a rigor, já pesa algum tipo de acusação sobre alguém. Pois já existindo uma indicação formal de suposta autoria delitiva contra alguém, é razoável deduzir que uma forma de acusação já passou a existir no mundo jurídico.
Diferentemente das Constituições anteriores, na atual que é reconhecida como Constituição cidadã, a dignidade da pessoa foi elevada à condição de super-princípio. Por essa ótica singela, o sistema legal deveria ofertar ao investigado/acusado o direito de se defender desde o nascimento da investigação/acusação.
Ora, quando a autoridade de polícia judiciária, mediante Portaria, instaura o inquérito indica, ainda que minimamente, os elementos fáticos e a  suposta autoria pertinente a uma determinada infração penal. Ao assim proceder, passa a incidir sobre o suposto autor uma acusação, mesmo que de forma embrionária. Tanto que há jurisprudência estabelecendo que se não houver justa causa para a instauração do IP este pode ser ‘trancado’, eis que sem ela, a justa causa, poderia o inquérito constituir indevido elemento de coerção contra o ‘status libertatis’.
 Pois parecerá apenas uma filigrana jurídica dizer-se que  a acusação só passa a figurar no universo jurídico quando o Judiciário recebe a denúncia ministerial, momento em que a ação penal é deflagrada. Essa posição se assenta no fato de que antes dessa etapa processual o indivíduo é apenas investigado, pois contra ele pesam apenas indícios de autoria e de materialidade. É, com todo respeito, visão formalista ao extremo. Para aquele que figura como suposto autor do delito a partir da instauração do IP  já haveria uma acusação, com todos os reflexos inerentes.
Alguns outros intérpretes do citado comando constitucional e da correspondente lei infraconstitucional defendem que o só fato do indivíduo ter sido nominado na Portaria de instauração do IP nada representa. Segundo estes, se o indivíduo for formalmente ouvido na peça denominada ‘auto de interrogatório’, aí sim estaria regularmente indiciado, embora isso ainda não o coloque na condição de sujeito ativo da persecução penal.
Anote-se, no entanto, que a decisão do delegado pela oitiva no ‘auto de interrogatório’ (e não oitiva em termo de declaração) se dá pelo convencimento da autoridade de polícia judiciária, amparado nas provas colhidas, de que aquela pessoa fora o autor do delito. Ocorre que depois do indiciamento formal, ou seja, da oitiva do suposto autor em ‘auto de interrogatório’ o IP é relatado e, imediatamente após, remetido ao MP, a quem competiria denunciá-lo ou não. Assim, ao suposto autor, por ora mero indiciado, nada mais poderá ser feito no IP. Vale dizer, submeteu-se ao procedimento sem que lhe fosse oportunizado qualquer possibilidade de defesa.
Isso foi narrado para suscitar a seguinte questão: se pela interpretação constitucional for assegurado a ampla defesa durante o IP ele acaba adquirindo as feições de um  processo judicial. Perderia, em consequência, a sua índole inquisitorial. Com efeito, seria dispensável uma vez que tais garantias, segundo o atual ordenamento, devem ser realizadas no curso do processo crime. Manter tais garantias na fase pré-judicial e na judicial configuraria uma duplicidade desnecessária, notadamente no que toca à razoável duração do processo.
Diante da necessidade constitucional de propiciar o direito ao contraditório e à ampla defesa, o IP é praticamente refeito na fase judicial propriamente dita. Apenas, e quando muito, são aproveitadas nessa fase as provas periciais.  Assim, o IP constituiria peça que opera em favor da morosidade judicial na sensível área criminal. Logo, contrária o interesse coletivo que anseia por rapidez nos processos criminais.
Destaca-se, para ilustrar, que na atualidade apenas 03 países ainda o conservam: Brasil, Guiné Bissau e a Indonésia. Nesse cenário, é lícito indagar: será que não teríamos outro modo de colher provas para a persecução criminal nos frenéticos dias atuais? Será que o inquérito ainda se harmoniza com as novas garantias da cidadania?
Por tais e outras razões, é possível afirmar que o constituinte originário já houvera sinalizado desde 1988 a direção para a substituição do velho inquérito. E o fez, segundo penso, a partir da criação dos Juizados Especiais Criminais para os delitos de menor potencial ofensivo. Com essa inovação, a Assembleia Nacional Constituinte teria fornecido à comunidade jurídica um norte magnético a respeito dessa tormentosa questão.
E note-se que tais juizados vêm sendo progressivamente aprimorados. No início, era competente apenas para processar e julgar as infrações penais apenadas com detenção de até 01 ano. A lei nº9099/95 assim o definia. Porém, rapidamente o Congresso aprovou nova lei específica para os Juizados Especiais Criminais na esfera federal,  fixando que a sua competência abrangeria os delitos apenados com até 02 anos de detenção. Diante disso,  aquela regra  passou a ser aplicada também nos Juizados Especiais Criminais no âmbito dos estados.
E o que é mais alvissareiro: bastando em tais Juizados apenas o chamado TERMO CIRCUNSTANCIADO para que o titular da ação penal pudesse, se convencido da materialidade e da autoria, propor a respectiva ação repressiva judicial.
Assim, é legítimo afirmar que gradualmente seria possível, com os ajustes devidos,  ampliar a competência desses Juizados com o fito de dar maior efetividade e celeridade para a resposta judicial na esfera criminal. Esta dinâmica ensejaria finalmente a desnecessidade dos inquéritos policiais.
A partir dessa nova concepção, pode-se cogitar a reestruturação do SNSP a partir da extinção da chamada polícia judiciária, principalmente no âmbito estadual. Pois a dicotomia PM/PC causa prejuízos aos contribuintes por força da crescente duplicidade de gastos com a manutenção de dois órgãos policiais, aos quais são carreadas substancias fatias do orçamento público estadual para a mesma finalidade. Não existindo a mesma dicotomia na esfera federal, o ônus orçamentário para a manutenção da polícia judiciária federal é menor, e, assim, mais racional do que se constata nas unidades federadas.
A viabilidade político-jurídico para tanto condicionasse, penso, à necessária transformação das carreiras hoje existentes nas Polícias Civis ou, então, do remanejamento de algumas delas para outros órgãos afetos ao sistema nacional de justiça. Inicialmente,   impõe-se cuidar do novo papel institucional que caberia aos delegados de polícia (estaduais e ou federais), eis que estes pela condição de dirigentes da atual entidade a que pertencem serão aqueles mais diretamente afetados.
A alternativa que certamente mais os interessaria seria oportunizar-lhes a possibilidade, mediante concurso interno, se tornarem juízes nos juizados especiais criminais. Ou como uma espécie de JUIZ DE INSTRUÇÃO, OS CHAMADOS JUÍZES DA PROVA,  OU AINDA COMO JUÍZES PLENOS PARA AS INFRAÇÕES PENAIS ABRANGIDAS NA COMPETÊNCIA DOS REFERIDOS JUIZADOS.
Afinal, sendo todos bacharéis em direito, admitidos mediante concurso público, preencheriam a rigor as condições técnicas e formais para integrar a nova categoria funcional sem qualquer ofensa ao texto constitucional. Por meio da transposição funcional, autorizada por meio de emenda constitucional seria juridicamente possível, acredito, viabilizar a reformulação.
Seriam realizados concursos entre os delegados para definir quais seriam transpostos para a nova função, quando então passariam a integrar o poder judiciário, e quais seriam aqueles que se tornariam assistentes dos promotores e ou dos procuradores da república. Contudo, num ou noutro caso recebendo a mesma remuneração (ou próxima) dos membros dessas instituições (Juízes e Promotores).
Com tais critérios e iguais oportunidades, certamente os delegados (estaduais e  ou federais) não irão opor-se a essa nova sistemática, sobretudo os estaduais uma vez que os delegados federais já se encontram quase que na mesma faixa de vencimentos dos juízes federais e ou dos procuradores da república.
Por seu turno, os investigadores de polícia e os agentes federais passariam a pertencer, respectivamente, ao Ministério Público Estadual e Federal, integrando quadro de servidores qualificados para o desenvolvimento das investigações dos delitos tidos por mais graves. Isso se daria sob a chefia direta dos delegados que ou tenham optado pela nova carreira ou não tenham sido aprovados no concurso para juiz de instrução ou juiz pleno dos juizados especais criminais.
Os escrivães de polícia igualmente poderiam igualmente ser submetidos ao mesmo procedimento. Os carcereiros remanescentes seriam remanejados para as secretarias estaduais de administração penitenciária.
Como resultante, a polícia judiciária tal como hoje constituída, ao menos na órbita estadual, seria extinta, restando do atual modelo apenas a chamada polícia ostensiva fardada, a quem poderiam ser acrescentadas outras competências para se adequar ao novo cenário institucional.
Penso que sem algum mecanismo nessa direção, ou seja, sem propiciar aos delegados de polícia essa perspectiva de crescimento profissional e remuneratório, qualquer tentativa de reforma do SNSP ficará inviabilizada. Pois as fortes pressões corporativistas poderão amealhar apoios políticos de difícil superação.
Resta saber como o Poder Judiciário e o MP se posicionarão, em especial pelo fato não escondido de se oporem por todos os meios ao crescimento no número de Juízes e Promotores, diante do receio de que isso redundará na contração dos seus vencimentos.
Tanto é que por força desta ‘preocupação’ institucional, refratária a ampliação do número de Juízes, o Brasil hoje detém apenas 10% do número de juízes da Alemanha. Temos 20 mil contra 200 mil naquele país, cujo grau de litigiosidade é bem menor do que no nosso, e cuja população é menos da metade da brasileira.
A isso se poderia contrapor que a do novo modelo  permitirá mais economia de recursos com o fim da duplicidade dos gastos com as atuais duas polícias, de onde o erário redirecionará os recursos para suprir o aumento com a folha de pagamentos com a inclusão dos novos membros. Por essa questão de natureza estritamente econômica, vital para o convencimento das partes envolvidas e do Parlamento, mais adiante sugerirei que outra entidade seja convidada pela AOPM.
Porque infelizmente não basta contar com a adesão da sociedade pela perspectiva de que o novo modelo enfim propicie um sistema de justiça e segurança mais eficientes, melhor qualificados para atender os seus legítimos anseios. É um caminho difícil, penoso, que, porém, um dia será iniciado em homenagem aos superiores interesses da cidadania.
Na busca por novos horizontes, menciono a iniciativa da própria Polícia Civil paulista na linha do que propugnei. Ou seja, a sua cúpula criou, em caráter experimental, os chamados NÚCLEOS ESPECIAIS CRIMINAIS – NECRIM, cuja finalidade é a de promover a resolução mediante composição e acordo para os crimes/contravenções de menor potencial ofensivo, numa clara demonstração da visão de futuro da instituição.
Nos lugares onde foram instalados, os resultados têm sido excelentes, segundo noticiam, de forma que estão sendo ampliados. Isto permite afirmar que se a reforma do sistema contemplar essa direção os delegados não se oporão. Ainda mais se associado a isso obtiverem ganho real em seus vencimentos.
Com amparo nessas notas, proponho à AOPM o aprofundamento dessa sugestão, convidando-se os representantes paulistas da Federação Nacional dos Policiais Federais a fim de desencadear os estudos e reflexões conjuntas acerca do novo modelo de segurança pública para o país.
Conforme mencionado acima, reproduzo a matéria publicada no site CONJUR: “PEC 37 divide agentes e delegados da Polícia Federal” “A Polícia Federal está dividida sobre a Proposta de Emenda à Constituição 37, que assegura às polícias federal e civil dos estados e do Distrito Federal competência privativa para apurar infrações penais de qualquer natureza. Enquanto delegados se posicionam favoráveis à PEC, agentes se mobilizam em sentido contrário. Nesta sexta (13/6), a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) publicou uma nota reafirmando ser contra a aprovação da PEC 37. Nela, a Fenapef diz que a proposta "nada tem a contribuir ao aperfeiçoamento do combate à criminalidade, e muito menos se preocupa com o interesse da população ao restringir a capacidade de investigação do poder público. A federação, que representa os 27 sindicatos dos policiais federais em todo o país, diz que a PEC criará um monopólio na atuação pública e classifica a proposta como uma "luta corporativista desenfreada por poder, capitaneada por associações de delegados de polícia, que tentam, a todo custo, pressionar os parlamentares". A nota diz ainda que a PEC é um retrocesso a um modelo de persecução já arcaico e desatualizado. O presidente da Fenapef, Jones Borges Leal, reforça o que foi publicado na nota, classificando a PEC de corporativista e afirmando que o objetivo dela é afastar quem fez as maiores investigações no país. Leal defende uma mudança na persecução penal. "É preciso mudar no macro. Pegar os melhores modelos de investigações, os melhores juristas, sentar com todos os envolvidos e discutir um novo sistema para substituir este nosso. O inquérito policial não funciona, é um instrumento arcaico e pouco produtivo", explica. O posicionamento contrário à proposta não é novo na Fenapef. Em dezembro de 2012, a entidade se uniu à Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a outras entidades da sociedade civil para lançar uma campanha contra a PEC, intitulada Brasil contra a impunidade.
 bacharelismo.
Em sentido oposto, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) é favorável à PEC. Para a associação, a proposta não fortalece o delegado e sim a polícia judiciária como um todo. Com a proximidade da votação da proposta, prevista para o próximo dia 26 de junho, a ADPF fez um mobilização esta semana no Congresso Nacional, entregando uma cartilha com suas argumentações a todos os deputados e líderes de partidos. Para o presidente da ADPF, delegado Marcos Leôncio, o posicionamento contrário à PEC pela Fenapef é questão interna e que o objetivo da federação é fazer uma revolução na persecução penal. "Eles entendem que a proposta fortalece o delegado e por isso são contrários. Eles querem fazer uma revolução na persecução penal, querem a extinção do delegado e o fim do inquérito policial", diz. Segundo Marcos Leôncio, a filosofica da Fenapef é fazer um novo modelo de investigação criminal e combater o bacharelado em Direito. "Nós delegados somos bacharéis em Direito, e eles querem acabar com isso. Eles entendem que há um domínio do bacharelismo no sistema de persecução e querem acabar com isso, criando um novo modelo de investigação criminal". PEC 37:
Nesta quinta-feira (13/6), o grupo de trabalho criado para discutir a proposta apresentou um novo texto que prevê um meio-termo entre as reivindicações das duas categorias: permite que o Ministério Público investigue, mas apenas em casos "excepcionais" e com fiscalização da Justiça. Membros do MP e delegados de polícia terão até a próxima terça-feira (18/6) para avaliar este texto. ‘A proposta aproxima-se muito de consenso porque garante direitos ao Ministério Público, fixa e delimita constitucionalmente as competências investigatórias da polícia, prevê controle investigatório do MP por parte do poder judiciario, fixa prazo, obriga a transparência e também prevê a atuação da defesa do investigado durante a investigação do Ministério Público", avalia o deputado Fábio Trad (PMDB-MS), que participou da reunião no ministério da Justiça, com membros do Ministério Público e das polícias civil e federal. Segundo Fabio Trad, com ou sem consenso, o texto definitivo deve ser apresentado na próxima quarta-feira (19/6) para os líderes partidários. A ideia é colocar este texto alternativo junto à PEC 37 para que seja votado preferencialmente. A votação da PEC no Plenário da Câmara está marcada para o dia 26 de junho. Para aprovar a proposta, é preciso pelo menos 308 votos favoráveis (3/5 dos deputados) em duas votações (1º e 2º turno). Para virar lei, a proposta precisa passar pelo mesmo processo no Senado. Nesta semana, o Conselho Nacional de Justiça encaminhou aos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), uma nota técnica contrária a proposta. A nota registra que o CNJ é cauteloso em manifestações dessa natureza, mas optou por encaminhar sua posição ao Congresso Nacional porque a PEC 37 pode trazer “inovação altamente lesiva ao interesse social e ao exercício da jurisdição”. O texto registra, ainda, que há dúvida sobre a constitucionalidade da proposta. A nota foi aprovada por unanimidade no CNJ”. 
Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.Revista Consultor Jurídico, 14 de junho de 2013
Retornando ao tema, cabe anotar que o Estado moderno, proativo, que exorta o cidadão à participação na condução da coisa pública, deve buscar permanentemente mecanismos que garantam a eficiência da ‘máquina pública’. A eficiência é, além do mais, um dos princípios que informam a administração pública brasileira (art.37 da CF/88).
A busca da eficiência exige constantes reavaliações. No campo estrito da correção de rumo, o diagnóstico da eficiência das instituições constitui ferramenta elementar. Através do diagnóstico qualificado (e não aquele superficial, promovido pelos  pseudoespecialistas) será possível apurar, por exemplo,  o que estaria comprometendo a equação custo/benefício.
Avaliar se o montante alocado para o custeio das atividades meio não está afetando em parte a atividade fim na segurança pública. De cada mil reais investidos no segmento, qual o percentual que efetivamente acaba sendo aplicado nas políticas de prevenção criminal, que é a rigor o maior anseio do contribuinte.
Este anseia pela qualidade e maior quantidade dos serviços ofertados, que ocasionalmente pode não ser obtido à proporção que a maior parcela dos recursos for absorvida pelos gastos com as chamadas atividades meio  dos órgãos responsáveis por aqueles serviços. Tais pontos, curiosamente, não vêm merecendo a devida atenção nos editoriais jornalísticos que versam sobre os índices de violência e de criminalidade.
De modo geral, as análises retratadas nos editoriais atribuem, de forma enfática,  a responsabilidade pela sensação de insegurança aos órgãos policiais, sugerindo que  o recrudescimento da violência e da criminalidade deriva fundamentalmente da ineficiência da polícia. Mesmo quando tais editoriais suscitam que não há uma razão exclusiva para explicar esse nefasto fenômeno, os editoriais insistem na imputação de ineficiência do aparato policial. E o fazem por quê? Será que de fato o próprio modelo dicotômico não opera em desfavor da eficiência, contrário, portanto, às expectativas do cidadão?
Se os aludidos editoriais contemplassem outros corresponsáveis acabariam autoanulando  o objetivo da crítica. Significa dizer que a opção dos analistas por concentrar a crítica unicamente nos órgãos policiais, atinge corretamente o alvo, de modo oblíquo. Se em vez disso suscitassem as diversas causas que cooperaram para a baixa eficiência dos órgãos policiais, estariam, de certo modo, poupando os dirigentes e os membros dessas organizações.
E, via de consequência, dando azo ao surgimento do velho ditado: se muitos são os responsáveis, ninguém é culpado de nada. Os dirigentes e os integrantes dos órgãos policiais são, aos ‘olhos do público’, os maiores responsáveis pela boa ou má operacionalização do sistema de prevenção e ou repressão criminais.
Nessa condição assumem compulsoriamente a qualidade de destinatários das críticas, vez que, nomeados pelo poder político para a condução do aparato existente, precisam demonstrar, a todo instante,  competência e dedicação para liderar suas equipes ou para a superação dos óbices que a profissão apresenta.
Se os editoriais ficassem a especular sobre a eficácia do modelo policial constitucionalmente construído, tornaria natimorto o esforço para ‘sacolejar’ os executivos policiais e os membros das respectivas organizações. Outro tipo de enfoque, de análise, tal como o  exame detido da estrutura policial brasileira, seria mais adequado para um seminário acadêmico, e não para a formulação de crítica num diário. Penso que é essa a razão porque a mídia quando a ela, a estrutura policial, se reporta o faz de modo abreviado visando aguçar o interesse da academia (ou do Parlamento) para o seu aprofundamento.
Veja-se: competindo ao  ‘Estado’ (Executivo e o Parlamento) a concepção e a estruturação do sistema nacional de segurança pública, questão que envolve recursos vultosos, interesses corporativos e até ideológicos, abordar num texto jornalístico a magnitude do assunto seria inviável, além do que o resultado poderia ser pífio. Reconhecendo tais obstáculos, portentosos diga-se, os editores não têm se arriscado em desenvolver esforço para fomentar a discussão de  alternativas  para o sistema instituído, e que vem se mostrando ineficiente.
Assim, socialmente a melhor estratégia é direcionar a crítica ao reduzido poder de inibição e repressão criminais apresentados pelos órgãos policiais, sem ingressar na avaliação se a baixa eficiência deles poderia ter como causa colaboradora o próprio modelo organizacional de polícia. Eis que a  crítica genérica ao ‘Estado’ em lugar dos órgãos policiais propriamente ditos,  desprezaria  estratégia de comunicação eficaz para gerar massa crítica mais qualificada.
O enfoque da questão estrutural em lugar da conjuntural, tal como em curso, produzir consequência alguma, à proporção que ficaria cingida ao campo teórico. E, portanto, não atingindo eficazmente os ocupantes do poder público com responsabilidade sobre a área. 
Nesse sentido, o constituinte de 1988, premido pelas fortes pressões corporativas, manteve a estrutura preexistente do sistema nacional de segurança pública. Desse  jeito, e tamanho o universo de questões candentes sobre as quais se debruçavam naquele instante histórico, os constituintes não realizaram esforço maior para a reavaliação daquele modelo e, menos ainda, realizaram análise prospectiva sobre as mudanças que adviriam com a nova Constituição. 
Isto permite dizer que o tema foi tratado burocraticamente. As fortes pressões, ininterruptas, de todos os lados, que não se compatibilizavam entre si, acuaram o constituinte. Acuado, optou-se pela manutenção do ‘status quo’ como resposta pragmática. Descuidaram, por essa motivação, que a segurança da população deve ser uma preocupação perene de todas as esferas de poder, às quais cabe a conjugação de esforços e recursos para dar qualidade e eficiência aos serviços que prestam para ofertar tranquilidade aos seus conterrâneos.
Afinal, sequer cuidaram de realizar qualquer exercício sobre a racionalidade do sistema e o custo para mantê-lo em operação. Se já naquele momento tivessem enfocado o assunto por esse ângulo, teríamos hoje certamente um modelo mais leve, menos oneroso e, provavelmente, mais eficiente no que tange à qualidade dos serviços.
No plano das finanças públicas, o constituinte apenas ponderou o alto custo exigido para a manutenção de todo o aparato policial por apenas um dos entes estatais. Eis que se optasse pela unicidade policial (Polícia Nacional), os encargos recairiam exclusivamente sobre o tesouro  federal, dele subtraindo parcela substancial dos recursos.
Desse modo, mais do que a preocupação com a autonomia dos estados membros o constituinte não alterou o modelo dicotômico (Polícia Civil e Militar) de segurança pública pela combinação das duas razões expostas: a irresistível pressão corporativista e o exame aligeirado da questão do financiamento do sistema por um único ente estatal.
Secundariamente, no campo político-ideológico o constituinte levou em conta, simultaneamente, dois aspectos:
1) A criação da polícia única, de âmbito nacional (Polícia Federal com competência plena para a prevenção e ou repressão), tornaria a instituição demasiadamente forte, tal como sucedeu noutros países, podendo comprometer o próprio regime democrático, ou, ainda, reduzir os espaços para as ‘negociatas’ daqueles gestores descompromissados com a ‘coisa pública’, e, 
2)  Impedir a participação plena dos municípios no SNSP evitando assim riscos pelo fato, sobretudo nas pequenas e médias cidades, de a outorga do poder de polícia criminal aos prefeitos representar potencial perigo sobre o processo eleitoral municipal, com reflexos na eleição de âmbito estadual e ou nacional.
Em muitos grotões, seria inevitável o emprego  da polícia municipal como uma espécie de guarda pretoriana para constranger e refrear os ânimos da oposição. Um novo tipo de ‘coronelismo’ passaria a imperar, anulando a livre expressão do voto popular diante da inexistência ou sufocação das correntes políticas contrárias ao poder local.
Para contemporizar a pressão exercida por entidades representativas dos municípios e de alguns segmentos da intelectualidade, o constituinte cedeu autorizando a criação das guardas municipais nos municípios com população acima de um patamar e de que essas instituições se limitassem a cuidar dos próprios da municipalidade.
No entanto, os constituintes sequer cogitaram da possibilidade de compartilhamento de determinadas despesas pelos municípios, tal como ocorre se dá, por exemplo, com o corpo de bombeiros militar, contexto no qual os estados membros custeiam o salário desses agentes, e as prefeituras as demais despesas. Se igual divisão de encargos financeiros fosse constitucionalmente estendida para as atividades de polícia, impunha-se aumentar o repasse dos recursos da respectiva unidade da Federação e do próprio governo federal para bancar mais esses encargos, reduzindo-lhes, em contrapartida, o poder de barganha característico dos costumes políticos nacional.
Além disso, anoto que a opção do constituinte de 1988 pela preservação do sistema dicotômico de polícia (PM/PC), já superado em outras nações ocorreu precipuamente pela falta de uma proposta capaz de conciliar o ‘lobby’ das duas polícias estaduais. Isto inviabilizou a concepção de um novo modelo capaz de atender aos diferentes e conflitantes interesses corporativos envolvidos.
Anulou-se assim a expectativa de que os construtores da nova ordem constitucional repensassem o modelo bipartido (PM e PC). Aguardava-se que o fariam com o propósito de apurar, dentro outros pontos, se os recursos canalizados para o custeio das duas corporações não representaria, per si, uma duplicidade nociva.
Pois mesmo num exame menos detido seria possível diagnosticar que parcela substancial dos recursos eram (e ainda são) alocados para manter suas instalações físicas, cada qual com dezenas de unidades espalhadas pelo território estadual, reduzindo, consequentemente, a disponibilidade orçamentária para áreas mais prioritárias, tal como a melhoria salarial dos servidores policiais,treinamento, compra de mais e melhores equipamentos de proteção individual etc.
Por isso, a questão do investimento público no setor é central para o diagnóstico do atual modelo. Essa razão pela qual no início mencionei que além da participação de outros órgãos do próprio SNSP nas discussões, seria vital a participação de ao menos de outro órgão.
Estava referindo ao Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA -, órgão de reconhecida competência técnica, cujos estudos e diagnósticos são respeitados internacionalmente. No âmbito desse Instituto, e pelo que é dado conhecer, existiria um departamento específico para ‘radiografar’ as políticas públicas em vigor. Ora, será que não seria oportuno e absolutamente indispensável contar com a colaboração desse departamento para o debate que se pretende entabular. Dispondo de argumentos economicistas, penso que a compreensão global do assunto será mais facilmente assimilada pelas instâncias de poder e pela própria mídia nacional, cooptando importantes aliados para a defesa da eventual remodelação do atual sistema.
Um exemplo isolado da questão orçamentária pode ser extraído da atual celeuma entre o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Ministério Público Estadual diante do pedido do primeiro para que os promotores desocupem as salas que usam nos fóruns. Isto se deu pela  necessidade de ampliar os espaços dedicados especificamente ao Judiciário Estadual.
O chefe do MP/SP vem tentando retardar a desocupação, que já tem data estabelecida, sob o argumento de que para tanto precisaria de mais de 1 bilhão no seu orçamento para construir e ou alugar sedes próprias para os membros da instituição. Se o MP detivesse, como sugerido atrás, a plenitude da investigação e dos meios humanos e materiais para tanto sob seu comando único, essa questão paralela sequer existiria, à medida que a PC/SP dispõe de inúmeras sedes, algumas ociosas, pelo estado afora.
A falta de interface entre o SNSP e o sistema nacional de justiça (SNJ) torna as políticas de segurança pública ainda mais frágeis. Em consequência, beneficiando-se os infratores penais. Ao menos no campo criminal, deveria existir sintonia fina entre os dois sistemas. Sem isso ocorre, como se verifica regularmente, dispersão de esforços e recursos. Ou seja, um atentado ao dinheiro público em termos de gestão das parcos recursos.
O alheamento é tamanho com segurança pública que sequer parágrafo sétimo do artigo 144 da CF/88 foi objeto de deliberação pelo Congresso Nacional, como todos sabemos. Isto é, mesmo tendo o constituinte originário preconizado a edição de lei complementar visando estimular a sinergia entre os órgãos integrantes do sistema nacional de segurança pública nenhuma iniciativa parlamentar se deu nesses mais de  25 anos. É uma demonstração clara do descaso e da omissão estatal numa área com esse nível de prioridade para  o interesse público. Buscam agora 'bodes expiatórios', soluções simplistas, para se esquivar da absoluta desídia com que os vários governos e parlamentares cuidaram da matéria ao longo dos anos. 
Enfim, outros aspectos  poderiam ser arrolados nesse esforço para indicar as vulnerabilidades do atual modelo de justiça criminal e, ao mesmo tempo, sustentar ainda mais consistentemente a proposição apresentada. Contudo, não havendo a pretensão de exaurir a extensa lista de temas afeitos, há que se encerrar essa breve digressão pressupondo que os pontos aqui suscitados seriam, de per si, suficientes para o início das discussões.

                                Güido – Asp78       Assis (SP)

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