Editorial do Correio Brasiliense de 28 Jan 2014
A presidente Dilma Rousseff transformou em realidade ontem, em Cuba, o que no Brasil ainda não passa de discurso ou sonho distante. Ao inaugurar a primeira etapa do Porto de Mariel, a 45km de Havana, ela aumentou sua dívida com a dura verdade de atrasos e ineficiência do setor portuário brasileiro, um dos campeões mundiais em custos e falta de capacidade operacional.
O porto cubano, com moderno terminal de contêineres, custou US$ 957 milhões, dos quais nada menos do que US$ 683 milhões saíram de cofres brasileiros, financiados em condições favoráveis pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). E, segundo anunciou a presidente, para a segunda etapa do projeto, a ser implantada em seguida, não faltarão recursos: "Vamos financiar US$ 290 milhões para implantar zona especial de desenvolvimento". Sem dúvida, é o sonho de muitas cidades brasileiras, portuárias ou não.
A inauguração do porto cubano ocorre pouco menos de um ano depois que a Sunrise, uma das maiores tradings chinesas importadoras de soja, comunicou ao exportadores brasileiros o cancelamento de uma encomenda de 2 milhões de toneladas do grão, em razão de atrasos inaceitáveis no Porto de Santos. A mercadoria deveria iniciar viagem para a China em fevereiro, mas, na melhor das hipóteses, seria acomodada a bordo em abril. Os chineses, que já haviam tido prejuízos com o atraso de dois embarques anteriores, preferiram abrir mão do preço do grão brasileiro em favor do melhor funcionamento dos despachos pela Argentina.
Pior: na festa do Porto Mariel, não é certo que Dilma e sua alegre comitiva tenham se lembrado - menos ainda se constrangido - da distância que separa aquela celebração com a pompa e a circunstância que marcaram os primeiros dias de dezembro de 2012, quando foi lançado o até então ousado Programa de Investimentos em Logística (PIP). Somente para o setor portuário, estariam reservados R$ 54,2 bilhões.
A "salvação" dos portos brasileiros foi anunciada em detalhes em 6 de dezembro daquele ano. E a montanha de dinheiro não viria sozinha, pois obras de melhorias rodoviárias e ferroviárias dariam novo enredo ao escoamento da produção nacional, incluindo facilidades de acesso aos principais terminais portuários. Para isso, a iniciativa privada, que deixaria de ser vista como vilã, seria muito bem aceita.
Não foi o que aconteceu. Não houve até agora nada parecido com a boa vontade e a rapidez com que se viabilizou a aplicação do dinheiro do BNDES em Cuba. Pelo contrário, os exportadores brasileiros de soja já se preparam para mais uma safra de problemas a partir das porteiras de suas lavouras. Este ano, o Brasil vai colher mais uma supersafra de grãos (196,7 milhões de toneladas). Só a soja responderá por 90 milhões de toneladas, podendo superar, pela primeira vez, a colheita dos Estados Unidos.
A prioridade aos investimentos em infraestrutura, para destravar o crescimento da economia brasileira - que vai para o terceiro ano de taxas constrangedoras de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) -, foi uma das promessas da presidente aos investidores em Davos. O mundo, além dos brasileiros, está esperando que ela vá além do discurso e aplique mais no Brasil o dinheiro dos brasileiros e, com isso, recupere a confiança do capital internacional no país.
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