Ser Policial: Sonho ou Pesadelo ?
Por acaso tomei tiros. Foram como picadas de abelhas rápidas e mortais. Senti pouca dor. Vacilei antes de cair transformado em peneira humana, órgãos perfurados e ossos quebrados.
No cumprimento do dever com colete de proteção vencido. Vi rapidamente meus colegas carregando-me no ombros para o hospital e revidando o ataque... Mas já era tarde. Lavado em sangue lá estava meu corpo sendo conduzido sem expressar movimentos. Tentaram me reanimar... Estava consumado. E agora? "Morto e sepultado". Como eu gostaria de poder fazer greve. Reivindicar salário digno e melhores condições de trabalho. Reivindicar colete que me salvaria da terrível chacina. Reivindicar pelo direito de permanecer junto à minha esposa. Poder ouvir minha filhinha perguntar: - Papai, vai trabalhar? Quando o senhor voltar estarei acordada para te abraçar... Não foi possível abraçá-la novamente. Tiraram-me esse direito. Quantas vezes a carreguei no colo até a viatura que me aguardava. Quantas vezes voltava cansado e lá estava ela querendo saber por onde eu tinha andado. Só dormia quando eu chegava para lhe contar histórias. Hoje, permaneço só observando-a. Não posso mais lhe contar a história do lobo mau. Pois fui engolido por ele. E os caçadores não apareceram para me salvar. Ela está sempre a perguntar por mim. A mãe, virando o rosto para disfarçar as lágrimas, responde que estou com Papai do Céu. - E por que ele não vem pra casa ? Ah... Como eu gostaria. Eu deveria ter sido apenas um simples assessor de gabinete... Ou um descompromissado motorista de autoridade ... Mas não! Acreditava que eu tinha a missão de zelar pela segurança dos meus irmãos potiguares, e por acreditar nisso, procurava ser policial por cima de pau e pedra. Deixei o convívio da minha família e dos colegas. Mas vejo que a luta continua. Por melhores salários. Condições melhores de trabalho. Que assim seja! Seja ontem, seja hoje, ou num futuro longínquo. Deve-se lutar mesmo sabendo que os desafios são Hércules. Nossa missão é permanecer vivo, trabalhando, porque sempre houve e sempre haverá gestores míopes que preferem construir estádios de futebol, a proteger famílias; preferem colocar lâmpadas natalinas, a investir em saneamento básico; decidem que a violência deve crescer para alavancar empresas de segurança privada. A miopia desses gestores os faz traduzir tudo em gado. Preferem cortar salários, a dialogar. E ainda dizem: basta secar o pasto que todos voltam correndo para as cocheiras. Profissionais da segurança pública em busca do bem social, sem equipamento de proteção, deixam viúvas e órfãos. Deixam lágrimas, suor e sangue em ritmo de copa do mundo no padrão FIFA. Aos amigos policiais do chat, se é que ainda não leram. Como disse Machado de Assis: "Vão fazer geologia em campos santos". Autor do texto: Heraldo Lins - Escrivão de Polícia Civil do RN
Por acaso tomei tiros. Foram como picadas de abelhas rápidas e mortais. Senti pouca dor. Vacilei antes de cair transformado em peneira humana, órgãos perfurados e ossos quebrados.
No cumprimento do dever com colete de proteção vencido. Vi rapidamente meus colegas carregando-me no ombros para o hospital e revidando o ataque... Mas já era tarde. Lavado em sangue lá estava meu corpo sendo conduzido sem expressar movimentos. Tentaram me reanimar... Estava consumado. E agora? "Morto e sepultado". Como eu gostaria de poder fazer greve. Reivindicar salário digno e melhores condições de trabalho. Reivindicar colete que me salvaria da terrível chacina. Reivindicar pelo direito de permanecer junto à minha esposa. Poder ouvir minha filhinha perguntar: - Papai, vai trabalhar? Quando o senhor voltar estarei acordada para te abraçar... Não foi possível abraçá-la novamente. Tiraram-me esse direito. Quantas vezes a carreguei no colo até a viatura que me aguardava. Quantas vezes voltava cansado e lá estava ela querendo saber por onde eu tinha andado. Só dormia quando eu chegava para lhe contar histórias. Hoje, permaneço só observando-a. Não posso mais lhe contar a história do lobo mau. Pois fui engolido por ele. E os caçadores não apareceram para me salvar. Ela está sempre a perguntar por mim. A mãe, virando o rosto para disfarçar as lágrimas, responde que estou com Papai do Céu. - E por que ele não vem pra casa ? Ah... Como eu gostaria. Eu deveria ter sido apenas um simples assessor de gabinete... Ou um descompromissado motorista de autoridade ... Mas não! Acreditava que eu tinha a missão de zelar pela segurança dos meus irmãos potiguares, e por acreditar nisso, procurava ser policial por cima de pau e pedra. Deixei o convívio da minha família e dos colegas. Mas vejo que a luta continua. Por melhores salários. Condições melhores de trabalho. Que assim seja! Seja ontem, seja hoje, ou num futuro longínquo. Deve-se lutar mesmo sabendo que os desafios são Hércules. Nossa missão é permanecer vivo, trabalhando, porque sempre houve e sempre haverá gestores míopes que preferem construir estádios de futebol, a proteger famílias; preferem colocar lâmpadas natalinas, a investir em saneamento básico; decidem que a violência deve crescer para alavancar empresas de segurança privada. A miopia desses gestores os faz traduzir tudo em gado. Preferem cortar salários, a dialogar. E ainda dizem: basta secar o pasto que todos voltam correndo para as cocheiras. Profissionais da segurança pública em busca do bem social, sem equipamento de proteção, deixam viúvas e órfãos. Deixam lágrimas, suor e sangue em ritmo de copa do mundo no padrão FIFA. Aos amigos policiais do chat, se é que ainda não leram. Como disse Machado de Assis: "Vão fazer geologia em campos santos". Autor do texto: Heraldo Lins - Escrivão de Polícia Civil do RN
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