Alvaro Lazzarini
Luiz Eduardo Pesce de Arruda
(ex-aluno e Coronel da Reserva da PM)
Ele não pôde correr a São Silvestre
em 2013. Contrariando suas expectativas e seu otimismo contagiante, assistiu a
passagem de ano internado no hospital.
Dura luta tem enfrentado. Mas a
enfrenta com que estoicismo, com que dignidade! Não reclama, não maldiz, não
questiona. Continua o mesmo soldado, que tem sido a cada dia de sua rica
existência.
O Mestre Lazzarini é um herói de
nosso cotidiano.
Filho de operário, decidiu um dia
ser cadete da Força Pública. E deixou sua querida Jundiaí natal, para nunca
mais voltar. Triste sina, aliás, que nos irmana a todos nós, que somos
caipiras, cheios de orgulho e saudade da terra natal, exilados na cidade grande.
Como cadete, seus instrutores o
reputavam modelar. Elegante, inteligente, disciplinado, simpático com as
pessoas, humano com os subordinados, bom camarada dos pares, respeitoso sem ser
servil para com os superiores.
Sua mãe se preocupava com sua saúde
e lhe enviava conselhos para se alimentar bem e se agasalhar do frio do Barro
Branco. E demonstrava, a cada pagina, todo o orgulho de ter um filho aspirando
ao Oficialato.
Um dia, conheceu Heidi, que se
tornaria sua fiel companheira por todos os dias enquanto ela viveu.
Lazzarini concluiu a Academia,
serviu em unidades operacionais e foi levado à Assessoria Militar da Secretaria
de Segurança Pública. Nos dias turbulentos de revolução, não podia ir para
casa. E Heidi, com a prole a tiracolo, ia visitar o marido e levava lasanha para
poderem almoçar juntos.
Lazzarini estudou Direito na PUC de Campinas.
Começou a apresentar modestas
contribuições à revista “Militia”. Umas delas, sobre prisão especial, mereceu
delicada censura do editor:
– Tenente, seja menos pretensioso.
Seja mais objetivo e use menos citações.
Estudando Direito, foi aí que
despertou seu desejo de cumprir sua outra missão na Terra, a de Juiz. No
começo, Heidi, filha do Desembargador Valentim Alves da Silva, resistiu:
– Álvaro, você já tem uma carreira
tão linda, porque mudar agora?
Mas era o que ele queria.
E em 1965, ingressou na
Magistratura.
Foi um Juiz impecável, do mesmo
modo como foi impecável enquanto Oficial da ativa. Humano, estudioso e
responsável.
Íntegro em cada gesto,
incorruptível, abalou amizades e despertou a ira dos poderosos, pois nunca
admitiu pressões, viessem de onde viessem, que pudessem, de alguma maneira,
influenciar suas sentenças.
Orgulhoso de sua condição de
Oficial da Reserva, um dia foi ao Quartel do Comando Geral, a pedido do
Comandante Geral, em plena efervescência do processo constituinte de 1988.
A sentinela não permitiu que
subisse a escadaria:
- Senhor, essa escada é reservada
aos Oficiais.
- Mas eu sou Desembargador e estou
aqui chamado por seu Comandante!
- O Senhor me desculpe, mas não
posso abrir exceção...
- Mas eu sou Tenente da Reserva...
O rosto do Soldado se iluminou:
- Bom, nesse caso então pode!
Em 1967 já era docente da Academia,
Mais que isso, foi, ano após ano, se tornando um ídolo dos Alunos.
Sentado, sem recurso a nenhum
apontamento escrito, com calma e tranquilidade, Alvaro Lazzarini discorria
sobre os mais complexos temas do direito administrativo com a propriedade de
quem parecia dissecar o espírito do autor, Hely Lopes Meirelles. Poucos sabiam,
porém, que o Professor Hely também era grande admirador da inteligência,
lealdade e reta conduta de seu antigo assistente na Secretaria da Segurança
Pública, o Tenente Lazzarini.
As reflexões do Mestre Lazzarini,
como num processo catártico, compeliram-no a escrever. Prolífico e elegante
erigiu, com o suceder dos anos, uma obra vasta, em que nunca se contradiz, mas
se complementa, não se repete, mas se projeta avante, a partir de conceitos
construídos nas obras anteriores.
Fruto de uma convicção solidamente
enraizada na alma, despretensioso e honesto intelectualmente como em cada gesto
de sua vida, lançou, sem nunca haver pretendido, os fundamentos de uma nova
área do saber, o Direito Administrativo da Ordem Pública.
Hoje, não há autor, no Brasil ou em
Portugal, que trate do tema sem citá-lo.
Alguns discordam dele. Uns, grandes
juristas, debatem com ele, alimentando meritória discussão acadêmica. Outros,
por pequenez, inspirada na intolerância ideológica, pela incapacidade de
admitir que pessoas inteligentes podem trilhar caminhos próprios com liberdade,
não o engolem. Outros ainda, servos de interesses corporativos menores,
monitoraram seus passos e o combateram. Amado por muitos, incômodo para alguns,
respeitado por todos, mesmo por aqueles que evitam cumprimentá-lo, quando
cruzam com ele no lobby do edifício onde mora.
Lazzarini tem um vício e uma
paixão, que bole com sua alma, e o faz rir e chorar. Essa paixão tem nome.
Chama-se Polícia Militar.
Tendo deixado o serviço ativo,
Lazzarini fez mais pelas Polícias Militares que a maioria de nós possamos ter
feito, depois de décadas de serviço.
Em um tempo de governantes
indecisos e vacilantes, Lazzarini sempre defendeu as polícias militares com
unhas e dentes, com clareza, sem reservas ou meias-palavras, usando as armas
que melhor domina: a inteligência e a caneta que, precocemente, trocou pelo
teclado do computador.
Nunca negou as dificuldades da
missão de servir e proteger. Mas sempre assumiu que ama essa Instituição,
presente nas cidades estradas e florestas do Brasil inteiro, servindo o
protegendo os mais vulneráveis.
Trilhou uma carreira fulgurante.
Foi desembargador e chegou à iminência da Presidência do TJ. Mas faltou-lhe um
voto. Presidiu então o TRE em período de grande agitação política, na primeira
eleição de Lula.
Nesse momento tão complexo, a
conduta reta e serena do Magistrado angariou- lhe o respeito de todos os
candidatos.
Por amar a PM, e não esconder isso
de ninguém, recebeu um carimbo. E pagou alto preço por isso. Mas nunca
reclamou, pois sabia exatamente o que fazia.
Seus filhos seguiram suas vidas, e
cada qual alcançou aquilo que pretendia. O pai, acompanhando de perto os
tropeços e as vitórias, vibrava com cada conquista. Mas Alexandre resolveu
abraçar a carreira do pai e, um dia, Alvaro Lazzarini confidenciou, com justo
orgulho:
Mas um dia Heidi ficou doente. Ela,
sua companheira de todas as jornadas, mãe extremosa de três filhos, avó,
cantora lírica, uma das maiores conhecedoras de ópera do Brasil e promotora
cultura do belo canto, que o secretariava e apoiava, iria deixá-lo. Mas,
generosa e serena, recomendou aos filhos:
- Seu pai precisa casar-se de novo.
E Lazzarini, talvez como uma
recompensa do Céu por sua vida reta, encontrou Marta, uma dentista inteligente,
agradável e bem sucedida. E teve início, ali, uma linda história de amor.
Marta zela pela memória de Heidi
com a grandeza e a segurança que só as grandes mulheres podem fazê-lo. E
acompanha o seu amado nos momentos de glória, de alegria e, como agora, nos
momentos de dor.
Lazzarini está doente. Mas é
atleta, foi um dos fundadores do fisiculturismo como esporte no país e nunca
deixou de cuidar de sua forma física. Talvez isso explique sua admirável
resistência à dor e ao desânimo.
E preserva nele a inteligência
aguda, a sensibilidade pela dor alheia e o bom humor, que o faz capaz de rir de
suas próprias limitações.
Ele não correu a São Silvestre. Mas
sua sobrinha, jovem juíza, correu por ele e lhe presenteou com a medalha que
ganhou. E confessou:
- Tio, corri cada metro desta prova
pensando em você.
A vida é um dom de DEUS. ELE dá e
ELE tira, obedecendo a uma lógica que nós, seres humanos, nunca poderemos
compreender em nossa pequeneza. E a hora de cada um de nós só a ELE pertence.
Mas pedimos humildemente ao Pai que
a vida de Alvaro Lazzarini seja preservada, que sua saúde seja restaurada para
que, todos nós, soldados, sargentos, oficiais da ativa e da reserva, amigos e
familiares possamos cercá-lo em dezembro de 2014, em uma corrente de amor e gratidão
e, juntos, caminharmos os quinze quilômetros que separam a largada, na Avenida
Paulista, nas proximidades da Alameda Ministro Rocha Azevedo, da chegada, defronte
ao prédio da Gazeta Esportiva.
E a cada passo iremos recordando
juntos tantas histórias. A do policial que atendeu a uma ocorrência em sua casa
e que, sabendo que ele era juiz, perguntou se era federado e se pretendia
apitar pela FIFA. O aluno que compôs a Canção do Regimento em meio à sua aula,
enquanto o outro aluno, cavalariano, via nascer o Hino de sua amada Unidade e
chorava emocionado. E a quem o Mestre Lazzarini, divertido, perdoou 15 anos
depois no café dos Oficiais da Academia do Barro Branco. De seus embates no
Congresso. De suas viagens aos confins do Brasil, para defender a causa das
Polícias Militares. A vida dos amigos que já partiram. As homenagens recebidas, com a modéstia que
só os iluminados podem exibir, sem parecer falso.
Hoje, ri quando se lembra de sua estreia
como autor jurídico. E concorda que, para um tenente pretensioso, até que foi bem
longe.
Alvaro Lazzarini, em plena vida, já
é um mito. E as próximas gerações, por todo o sempre, falarão dele com carinho
e respeito. Desembargador Alvaro Lazzarini: o Tenente Defensor Perpétuo das
Polícias Militares.
04Fev14 – 18:10 h.
Nosso querido Mestre Dr Lazzarini não está bem de saúde, está internado no
Oswaldo Cruz.
Escrevi esse texto como uma singela homenagem de todos nós – seus ex-alunos
- a ele.
Peço que os Srs analisem o texto e, se julgarem válido, postarem em suas
redes sociais, que alcançam muitos dos ex-alunos e admiradores de nosso
Professor, um grande e corajoso defensor das Polícias Militares.
Abs e muito grato.
Luiz Eduardo Pesce
de Arruda
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