sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

CARATER PERSONALISSIMO DA PENA MULTA







Caráter personalíssimo da pena de multa

José Carlos de Oliveira Robaldo
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O caso mensalão suscitou e vem provocando inúmeros debates interessantes sobre vários aspectos de interesse do Direito Penal e, por óbvio, da própria sociedade como um todo, por ser a destinatária final de qualquer construção jurídica. Nesta perspectiva, não há exagero em afirmar que a criação das normas, sua interpretação, aplicação e execução, só têm sentido se trouxerem resultados práticos para o homem e suas relações em sociedade. De fato, em relação a este julgamento, muitos pontos e contrapontos, sob o enfoque prático-jurídico, foram resgatados, discutidos e outros construídos. Se de um lado, isso enriquece os debates, de outro, sem dúvida, tem bagunçado a cabeça de quem vem acompanhando referido episódio jurídico.
A discussão sobre a teoria do domínio do fato, a legalidade do “caixa dois” (recursos financeiros não contabilizados e não declarados aos órgãos de fiscalização competentes), a contestação da legitimidade da condenação feita por carta ao relator do julgamento e, para coroar o contexto, vem a fantástica e numerosa contribuição arrecadada por meio das redes sociais (sites de doações) para pagamentos de multas aplicadas, como sanção penal.
Neste pouco espaço, apenas como contribuição ao debate, gostaríamos de abordar dois aspectos como reflexão. O primeiro se refere às inúmeras manifestações feitas por integrantes do PT (Partido dos Trabalhadores) quanto à ilegitimidade das condenações impostas, sobretudo aos seus integrantes (José Dirceu, João Paulo, José Genoino e Delúbio Soares). O segundo diz respeito à (i)legitimidade do pagamento da pena de multa por terceiro, em face do princípio personalíssimo da pena. Enfim, a nosso ver, são reflexões pertinentes e oportunas.
Integrantes do PT, por meio de desagravo, de manifestações várias (Revista, Livro etc) e até mesmo por carta aberta ao ministro Joaquim Barbosa, relator do caso mensalão (Folha de S. Paulo, A5, 02.02.2014), veementemente têm contestado a legitimidade das condenações aplicadas a seus pares, rotulando-as de “farsa”, “peça teatral” etc. Segundo eles, os acusados não cometeram crime algum, logo, não poderiam ser condenados.
Neste ponto (não obstante constar na carta aberta acima mencionada, por diversas vezes, que a condenação levada a efeito pelo ministro Joaquim Barbosa, foi injusta, pois contrária às provas), vale lembrar que a condenação não foi apenas de um julgador, e sim, de vários (julgamento colegiado).
Com efeito, o aspecto ideológico que se tenta atribuir a esse julgamento, a nosso ver (não obstante se compreenda e respeite o sentimento individual de cada condenado), não existiu e nem pode existir. A análise, a partir do conjunto probatório, foi jurídica e assim deve ser em um estado democrático de direito.
No que se refere ao pagamento da pena de multa por terceiro, é outro aspecto que merece reflexão crítica, sobretudo a partir da ideia de que a sanção penal tem o caráter personalíssimo, isto é, só pode ser cumprida pela pessoa do infrator (CF, 5º, XLV). Tal premissa decorre do caráter preventivo da pena. Ora, se a principal finalidade da pena (seja ela de prisão, restrição de direitos ou multa) é a prevenção do crime (geral e especial), quem deve sofrer o sacrifício é o próprio infrator. Ele é quem, diretamente, deve sentir a dor do “puxão de orelha” (pena). Daí a razão pela qual a pena (privativa de liberdade, restritiva de direitos e multa) se extingue com a morte do autor da infração (CP, 107, I).
Com efeito, o argumento de que inexiste proibição legal para o pagamento da pena de multa por terceiro não procede. O próprio caráter pessoal da pena prevista pela Lei Maior veda essa liberalidade.
Ademais, até mesmo no plano ético o pagamento de pena de multa por terceiro, especialmente por ex-ministro do próprio STF, não pode ter boa recepção.
É possível que alguém venha a afirmar que o pagamento da pena multa, seja por quem for, é o que interessa ao Estado (plano utilitarista). Porém, não é arrecadatória a função do Direito Penal, que o faz por meio da sanção penal. O propósito é outro!
Contudo, para evitar maiores embaraços interpretativos, fica aqui a sugestão (de lege ferenda) ao Legislador Federal para acrescentar à legislação penal a proibição do pagamento da pena de multa por terceiro, em face de sua pessoalidade.



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