quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Autonomia dos Corpos de Bombeiros


Prezados Companheiros,

Como tenho recebido diversos e-mails a respeito da emancipação do CB, sinto-me no direito de dar a minha opinião a respeito, pois, além de servir, fui Comandante do CB de janeiro de 1991 a 30 de dezembro de 1994, ou seja, por quatro anos. O tema que tratarei é um pouco longo e fiquem à vontade para sua leitura ou, até, deletar, se assim decidirem não fazer a leitura.

Retrospectiva
Faz-se necessário, aqui, uma pequena retrospectiva de minha vida profissional. Em 1965, estando cursando o 3.º CFO, como Aluno Oficial (hoje cadete), eu estagiei nas diversas atividades da então Força Pública, exceto no CB, que não sei a razão.
Ao sair da APMBB, então CFA, em 1965, por exigência da então Força Pública, apresentei 3 opções de atividades para servir na Corporação, pela ordem: Corpo de Bombeiros (mesmo não tendo estagiado), Rádio Patrulha e Cavalaria. Fui apresentado ao CB e, lá chegando, no ano seguinte fiz o CBO – Curso de Bombeiros de Oficiais.
Após o CBO, fui classificado na 1.ª Companhia do Corpo de Bombeiros, situado na Av. Celso Garcia, na Capital. O regime da tropa era de 24 x 24 e dos Oficiais era de 24 x 48. Lá só fiquei até 1967, por decisão do Comandante do CB, Coronel Paulo Marques, e fui transferido para o Departamento de Finanças e Patrimônio do CB, onde, a partir daí, passei a me especializar, inclusive fazendo a Faculdade de Ciências Econômicas. Dei aulas no CBO, CBS, CAO e CSP.
Em 1979, como Capitão, servi na Casa Militar e, após minha promoção a Major, por não ter vaga no CB e não querer prejudicar outro Major, pois essa era a regra da época (todo oficial saía da Casa Militar e podia escolher o lugar que quisesse, mesmo que fosse ocupar o lugar de outro oficial). Deixei à vontade e não escolhi Unidade, mas pela minha competência na área financeira e orçamentária, fui classificado na Diretoria de Finanças da PM, mas fiquei só por 6 meses, pois surgiu uma vaga no CB e consegui meu retorno para assumir a 4.ª Seção do CB.
Se fosse para uma unidade de policiamento, não seria muito bom para mim e para a Corporação, porque me considero incompetente para presidir ações policiais, pois as minhas operacionais sempre foram de profissional de bombeiros. No CB, todo oficial, mesmo os que estão nas atividades administrativas, é escalado de serviço para todas as operações.
Cursei o CSP ainda como Major, e, devido a minha monografia sobre um Estatuto para a PM, cujo Presidente da Banca foi o Coronel Adolfo, além de conseguir o grau “10”. Terminado o CSP, voltei para o CB e, tão logo a minha promoção a Tenente Coronel, fui transferido paro QG e assumi a Chefia da 1.ª Seção do Estado Maior da PM, por decisão do Coronel Adolfo que havia assumido o SubComando da PM.
Na 1.ª Seção, juntamente com o Coronel Carlini, Chefe da 4.ª EM, e o Coronel Caldeira, Chefe da 3.ª EM, por decisão e liderança deste último, passamos a estudar Polícia sempre sob a ótica do cidadão, ou seja, como gostaria que a PM atuasse no policiamento ostensivo.
O Comandante à epoca, decidiu que o grupo saísse das respectivas chefias para, em uma sala exclusiva, ultimar os estudos sobre o RPP para apresentação ao Governador Quércia. O Coronel Caldeira apresentou o trabalho ao Governador que encampou com aquisição de Opalas para execução da atividade. Infelizmente, o projeto foi abortado e boicotado por oficiais da PM que, no fundo, não aceitavam que 3 oficiais do CB fossem capazes de definir um sistema de policiamento motorizado para a PM. Do projeto, foram mantidos o GATE, a ronda escolar e a ROCAM.
Como já sentia a necessidade de retornar para o CB, colei na parede da sala de trabalho a seguinte mensagem: “Bombeiro já!”. O Comandante Geral até que levou na brincadeira, mas chegou um momento que, por solicitação do Comandante do CB, retornei para o CB para assumir o Departamento de Finanças e Patrimônio.
O importante, a partir daí, foi que, por determinação do Comandante do CB, Coronel Assumpção, redigi a minuta de uma norma legal para transformar o CB de Unidade de Despesa para Unidade Orçamentária, bem como, levar essa minuta para discussão com o Chefe da Casa Civil, após alguns ajustes, foi publicado no Diário Oficial. Com essa providência o CB passou a ter autonomia na gestão de seus recursos orçamentários e financeiros. Lembro-me, como oficial subalterno, perfeitamente de momentos de minha atividade no setor financeiro e orçamentário, decisão do Comando de subtrair recursos orçamentários do CB para cobrir outras necessidades da PM sem qualquer critério. Esta situação foi marcante para mim: o Comando da PM pouco se preocupava com as necessidades do CB!
Substitui, no Comando do CB, ao Coronel Assumpção, ainda como Tenente Coronel, passando por três Comandantes Gerais, mesmo a contragosto dos dois últimos.
No comando do CB, senti o quanto o CB não era atendido pelo Comando da PM particularmente no que diz respeito ao aumento de efetivo e ao atendimento a dispositivos constitucionais da aprovação do Quadro de Bombeiros e do Código de Segurança Contra Incêndios e Emergências até a data de hoje. Dessas necessidades, aquela que ainda se mantém crítica é o aumento de efetivo: o efetivo fixado em lei para o CB era de 9.802 e o existente não chegava a 9.000. Neste particular, o efetivo atual é o mesmo, com um agravante de que dobrou número de postos de bombeiros no Estado.

Situação dos Corpos de Bombeiros
Feitas essas observações, urge que se busque a história para esclarecer a situação do CB no Estado. A história da implantação dos serviços de bombeiros no Brasil é bem clara e conhecida, mas é oportuno que se relembre. A primeira Corporação foi criada pelo Imperador D. Pedro II em 1856 e que não possuía caráter militar e foi somente em 1880 que seus integrantes passaram a ser classificados dentro de uma hierarquia militarizada. Devido às afinidades culturais e linguísticas com a França, a Corporação passou a adotar como modelo os Sapeurs-Pompiers de Paris, os quais eram classificados como Arma de Engenharia Militar e organizados para servirem como sapadores quando necessário. Até o fim do império essa foi a única instituição de bombeiro militar existente.
Com a proclamação da República, os Estados que possuíam melhores condições financeiras passaram a constituir seus próprios Corpos de Bombeiros. Ao contrário do Corpo de Bombeiros da Capital Federal que desde o início foi concebido com completa autonomia, essas Corporações foram criadas dentro da estrutura das Forças Estaduais, antiga denominação das atuais Polícias Militares.
Em 1915, a legislação federal passou a permitir que as forças militarizadas dos Estados pudessem ser incorporadas ao Exército Brasileiro, em caso de mobilização nacional. Em 1917, a Brigada Policial e o Corpo de Bombeiros da Capital Federal tornaram-se oficialmente Reservas do Exército,  condição essa a seguir estendida aos Estados. Nesse período, os Corpos de Bombeiros, como integrantes das Forças Estaduais, participaram com brio dos principais conflitos armados que atingiram o país.
Essa condição foi alterada após as Revoluções de 1930 e de 1932, sendo imposta pelo Governo Federal a desmilitarização dos Corpos de Bombeiros em 1934. Isso objetivava diminuir o poderio das forças militares estaduais, as quais ameaçavam o equilíbrio do poder bélico no país. Com o final da Segunda Guerra Mundial e a consequente queda do Estado Novo, as Forças Estaduais voltaram ao completo controle dos Estados passando-se a permitir a militarização dos Corpos de Bombeiros, desde que estes fossem reincorporados às Polícias Militares.
Em 1967 foi criada a Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM), subordinada ao então Ministério da Guerra, a qual passou a gerenciar diversas mudanças nas estruturas das Polícias Militares (e, por conseguinte, nos Corpos de Bombeiros), inserindo padronizações e estabelecendo exclusividades. A partir daí, as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros passaram a se estruturar em órgãos de direção, de execução e de apoio e que vige até os dias de hoje, inclusive o do Estado de S. Paulo.
Finalizando o Governo Militar e com a instituição de uma nova Constituição em 1988, os Estados passaram a dispor de autonomia para administrar suas Forças de Segurança da maneira que melhor lhes conviesse. A maioria optou por desvincular os Corpos de Bombeiros das Polícias Militares.

Termo Militar – Da Emancipação dos Corpos de Bombeiros
O termo Militar foi inserido na década de noventa para destacar a condição dos Corpos de Bombeiros como Força Auxiliar e Reserva do Exército Brasileiro, bem como a de Militares dos Estados, situação essa reafirmada na Constituição Federal de 1988. Nela, evidenciou-se de forma clara e inequívoca a autonomia dos Corpos de Bombeiros Militares, como estabelece o dispositivo constitucional a seguir:

"Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos,  é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
...
I - policia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - policia ferroviária federal;
IV - policias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 5° Às policias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública;  aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. ". (grifo nosso)

Aliás, conforme Alvaro Lazzarini, Eminente Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado e ex-Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo,

Os corpos de Bombeiros Militares, em princípio, não exercem atividades de segurança pública, por ser esta uma atividade que diz respeito às infrações penais, com típicas ações policiais preventivas ou repressivas. A atividade-fim dos Corpos de Bombeiros Militares é a de prevenção e combate a incêndios, busca e salvamento e, agora, a de defesa civil, prevista no artigo 144, § 5º, final. Essa gama de atribuições dos Corpos de Bombeiros Militares diz respeito, isto sim, à tranquilidade pública e, também, à salubridade pública, ambas integrantes do conceito de ordem pública”. (LAZZARINI, Direito Administrativo e Prevenção de Incêndio)

Com a autonomia claramente estabelecida na Constituição Federal, alguns Corpos de Bombeiros aproveitaram a promulgação das Constituições Estaduais de 1989 e inseriram dispositivos que consolidaram as suas emancipações das Polícias Militares. O quadro seguinte apresenta os Corpos de Bombeiros emancipados.

Quadro dos Corpos de Bombeiros Brasileiros Emancipados

Estado
Data de Emancipação
Dispositivo Legal
Distrito Federal
02/07/1856

Acre
19/12/1991
Lei Estadual n.° 1.013
Alagoas
26/05/1993
Emenda Constitucional n.º 09
Amapá
09/07/1992
Lei Estadual n.° 025
Amazonas
26/11/1998
Emenda Constitucional n.º 31
Bahia
X

Ceará
20/04/1990
Lei Estadual n.° 11.673
Espírito Santo
25/08/1997
Emenda Constitucional n.º 12
Goiás
05/10/1989
Constituição Estadual
Maranhão
15/07/1992
Constituição Estadual
Mato Grosso
15/06/1994
Emenda Constitucional n.º 09
Mato Grosso do Sul
05/1O/l989
Constituição Estadual
Minas Gerais
02/06/1999
Emenda Constitucional n.º 39
Paraná
X

Pará
19/04/1990
Decreto Estadual n.° 6.781
Paraíba
06/11/2007
Constituição Estadual
Pernambuco
22/07/1994
Emenda Constitucional n.º 04
Piauí
09/06/2003
Lei Complementar n.º 28
Rio de Janeiro
02/07/1856
Ato de D. Pedro II
Rio G. do Norte
23/03/2002
Lei Complementar n.º 230
Rio G. do Sul
X

Rondônia
1.º/07/1998
Emenda Constitucional n.º 06
Roraima
19/12/2001
Emenda Constitucional n.º 11
Santa Catarina
13/06/2003
Emenda Constitucional n.º 33
São Paulo
X

Sergipe
23/12/1999
Lei Estadual n.º 4.194
Tocantins
27/09/2005
Emenda Constitucional n.º 15
         
Com a emancipação, os Corpos de Bombeiros conseguiram autonomia e missões próprias e distintas às das Polícias Militares, bem como a possibilidade de promoverem amplas mudanças, mas sempre mantendo o modelo das organizações Policiais Militares de origem.
A maioria desses Corpos de Bombeiros sempre buscou a emancipação com o objetivo de ter essa autonomia na administração dos recursos humanos, materiais e financeiros, inclusive aqueles ainda não emancipados.
Entretanto, o quadro demonstra que os Corpos de Bombeiros dos Estados da Bahia, do Paraná, do Rio Grande do Sul e do Estado de São Paulo ainda não são emancipados e, por isso, continuam integrados às respectivas Polícias Militares. Isto quer dizer que somente esses Corpos de Bombeiros pouco podem fazer, salvo raras exceções, na seleção, formação, promoção, na classificação (oficiais e praças do Corpo de Bombeiros são transferidos - e vice-versa - para outras unidades da Polícia Militar, nomeação de Comandantes da Polícia Militares sem a formação de bombeiro, etc.), do aumento de efetivo, na criação dos quadros de bombeiros, na alocação de recursos orçamentários e financeiros, pois a prioridade será sempre a da Polícia Militar. Na situação de integrante de um órgão da Polícia Militar, o "bombeiro-policial" tem, primeiramente, a formação policial para depois adquirir o aprendizado dentro das atividades de bombeiro. São duas formações!

A Formação e o Treinamento nos CB emancipados
Nos Corpos de Bombeiros Militares, o treinamento pode ser apresentado em três etapas distintas: a formação, o aperfeiçoamento e a especialização. Por sua vez, cada uma dessas etapas é constituída por cursos específicos voltados para os níveis hierárquicos das corporações fundamentados na atividade específica. É evidente que em alguns Estados, em razão do próprio desenvolvimento populacional e econômico, as corporações se configuraram de formas diferentes, apresentando tamanhos, recursos humanos e materiais diferenciados, contudo, o propósito de sua existência é o mesmo, ou seja, prestar serviços específicos que garantam o bem-estar público e a minimização das perdas humanas e materiais da população.

Os treinamentos nos Corpos de Bombeiros Militares, sobretudo os iniciais das carreiras, transferem uma carga muito grande de conhecimentos para os bombeiros-alunos e enfatizam de forma muito intensa o processo de doutrinação. Ao mesmo tempo em que "transformam o civil em militar", também formam o "profissional".

Argumentos para emancipação
Os argumentos para emancipação de cada um desses Corpos de Bombeiros são variados, mas, para sintetizar, podemos destacar os seguintes: dispositivo constitucional que individualiza e diferencia a atribuição ou o serviço do Corpo de Bombeiros e o da Polícia Militar, necessidade de autonomia para uma prestação de serviços adequados à população, melhoria da qualidade técnica dos serviços, gestão própria dos recursos (humanos, materiais e financeiros e orçamentários),
Também estão incluídos como razões para a emancipação:
- dificuldades no aumento de efetivo e, consequentemente, falta de condições para atendimento às necessidades de crescimento;
- melhoria na qualidade técnica e profissional dos integrantes do Corpo de Bombeiros;
- transferência de profissionais com formação e especialização de bombeiro para atividades policiais militares;
- transferência de policiais militares problemáticos da atividade policial para a atividade de bombeiro;
- a participação efetiva do Corpo de Bombeiros Militar, na maioria das vezes, na coordenação das atividades de defesa civil estadual;
- perícia de incêndios;
- embargar, interditar obras, serviços, habitações e locais de diversões públicas que não ofereçam condições de segurança de funcionamento, ou seja, o exercício do poder de polícia;

Em resumo, pode-se concluir que os fundamentos e justificativas dos argumentos dos Corpos de Bombeiros na busca de autonomia estão assentados em três aspectos básicos, a saber: constitucionais, econômicos e técnicos.

Os constitucionais são claros e claramente definidos na Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, e dentre os dispositivos constitucionais, o mais contundente no sentido da autonomia dos Corpos de Bombeiros Militares é, sem dúvida, o artigo 144 que individualiza sem contestações atribuições específicas para cada uma das organizações militares.

Os aspectos econômicos demonstram que os Corpos de Bombeiros, mesmo subordinados às Polícias Militares, já possuíam uma estrutura montada em relação a instalações, materiais, equipamentos, pessoal, bem como uma estrutura operacional bem equacionada, o que não implicaria em custos adicionais para os governos estaduais. Outro ponto abordado, neste aspecto, é o fato de os Corpos de Bombeiros possuírem a capacidade de captação de recursos, através de parcerias e convênios, em função da sua atividade-fim.

Nos aspectos técnicos, a questão do antagonismo da prestação de serviços foi bastante trabalhada; enquanto uma diz respeito a combate a incêndios, salvamentos, segurança contra incêndio, a outra trata de policiamento ostensivo. Este antagonismo, dentro de uma única organização, causa inúmeros transtornos na seleção, formação, especialização e aperfeiçoamento dos recursos humanos, na atividade operacional, na canalização e otimização de recursos financeiros e materiais, além do planejamento, coordenação e execução das atividades de defesa civil. Ainda, dentro dos aspectos técnicos, foi bastante focada a questão da formação profissional. Na situação de integrante de um órgão da Polícia Militar, o "bombeiro-policial" tinha primeiramente a formação policial para depois adquirir o aprendizado dentro das atividades de bombeiro. Assim, esta questão procurou mostrar que os bombeiros são profissionais com características essencialmente técnicas, sendo necessários, para a sua formação, conhecimentos de fenômenos da natureza, física, química e biologia, entre outras ciências. O incêndio, o acidente, a catástrofe exigem do bombeiro uma formação tecnológica, enquanto que os policiais são profissionais dos quais se requer uma formação voltada para a área humanística, pois a ação policial se faz sentir sobre o indivíduo - o assaltante, o delinquente, o criminoso.

O que está ocorrendo nos Estados
E o que está ocorrendo nos Estados onde os Corpos de Bombeiros ainda estão integrados às Polícias Militares? Estão desempenhando a contento suas missões? Podem embargar e interditar as obras e reformas em obras? Podem fechar os locais que poderão oferecer riscos às pessoas? Podem multar esses locais que funcionam em descumprimento às normas vigentes de segurança contra incêndio?

Não tenho conhecimento de todas as normas legais definindo a competência de todos os Corpos de Bombeiros emancipados, mas o importante é que, sendo emancipado, essa competência deverá ser perfeitamente integrada às demais atribuições dessas corporações. Caso contrário, os Corpos de Bombeiros vão continuar buscando alternativas, junto às Prefeituras Municipais responsáveis pela emissão dos alvarás. Ou vão retomar a fiscalização de todas as áreas de risco que, devido às precárias condições de segurança, não deveriam estar funcionando, sem que isto resulte em qualquer penalização de fato e de direito?

Todas essas questões são pertinentes, ainda mais após um grande sinistro onde pereceram centenas de pessoas como o de Santa Maria na boate Kiss.
Aliás, o Jornalista Juremir Machado de Souza, no CORREIODOPOVO.com.br, postado em 29 de janeiro de 2013, em sua matéria “Santa Maria: adianta culpa?”, destacou “in fine” que:

“Em quantos lugares a gente vê construções de ricos ou pobres nas encostas de morros? Em quantos lugares a gente vê cultivos em áreas de risco? Em quantos lugares a gente vê estabelecimentos recreativos funcionando visivelmente sem as condições necessárias de segurança? Por quê? Simplesmente porque empurramos com a barriga, burlamos a lei, quando não a subornamos, e acreditamos que o raio não cairá em cima de nós. Quem somos nós?
Aqueles por quem nos tornamos responsáveis.
A noção de responsabilidade coletiva parece, às vezes, neste Brasil ainda pré-moderno em muitas coisas, uma aberração. O interesse imediato joga perigosamente com a calamidade futura. Por toda parte a negligência ri da nossa cara: barcos transbordando de passageiros em inocentes passeios praianos, muitos com coletes salva-vidas em número insuficiente, motoqueiros sem capacete e com crianças na carona zumbindo pelas ruas das cidades, crianças transportadas no banco da frente de carros particulares e por aí vai. Precisamos enquadrar culpados.”

Infelizmente, todas essas providências imediatistas são paliativas! Principalmente quando os Governos Estaduais, sem dar quaisquer condições aos Corpos de Bombeiros, passam a exigir mais atuação dessas Corporações, inclusive dos emancipados, para, com o mesmo efetivo existente, fiscalizar todos os locais de reunião pública. Como atuar sem condições, sem pessoal treinado e necessário para atender, além das ocorrências normais, os sinistros “imprevisíveis” (se é que pode assim ser denominado)?
É aquela afirmativa: “não adianta trancar, depois da porta arrombada!”.

Por outro lado, esses Corpos de Bombeiros não emancipados continuarão a fazer aquilo que sempre fizeram e, neste contexto, os profissionais passaram e passarão a ser mais exigidos, pois o efetivo que já é insuficiente para as situações corriqueiras, imagine para uma situação anormal e sem qualquer contrapartida.

Após o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), os bombeiros da cidade foram criticados por usarem jovens que haviam acabado de sair da casa noturna como voluntários para ajudar a abrir buracos na parede e retirar pessoas do local, o que pode ter demonstrado a insuficiência do efetivo na cidade para atender à ocorrência. Na oportunidade, o governo do Rio Grande do Sul não quis informar o efetivo de bombeiros da cidade.

Proporção Bombeiros x População
No Brasil, o Distrito Federal é o que mais se aproxima da média considerada como ideal pela associação, com 2,5 bombeiros para a proporção estabelecida. Quatro Estados também atingem esse padrão: Amapá (1,3 para cada mil), Mato Grosso do Sul (0,5), Rio de Janeiro (0,9) e Roraima (0,5). A média nacional, no entanto, é de apenas 0,3 bombeiros para cada mil brasileiros. O índice brasileiro é cinco vezes menor do que o registrado pelos Estados Unidos. Segundo a NFPA, em 2011 (há 2 anos!) os EUA já tinham 1,53 bombeiros para cada mil habitantes. 
...
Excetuando o Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, do Amapá, do Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Roraima e o do Acre, cujas proporções se aproximam do parâmetro da NFPA, no que dizem respeito ao efetivo, os demais estão bem abaixo do parâmetro.

Os parâmetros utilizados para determinar o efetivo necessário estão baseados normalmente pela NFPA – National National Fire Protection Association. Vamos considerar como parâmetro o de 3 bombeiros para cada mil habitantes, para a composição de uma unidade local de bombeiros e 1 posto de bombeiros para cada 100 mil habitantes.

Nesses parâmetros, por exemplo, uma cidade que tem 10 milhões de habitantes deverá ter, no mínimo, 30.000 bombeiros e, no mínimo, 100 postos de bombeiros. Se considerarmos um Estado com 30 milhões de habitantes, o Estado deverá ter, no mínimo, 90.000 bombeiros e 300 postos de bombeiros. Perguntamos: qual a cidade ou estado que atende a esse parâmetro? Acreditamos que nenhum! Aliás, no Brasil, poucos municípios dispõem de Serviço de Bombeiros. Evidentemente, que as cidades com grandes riscos, independentemente de ter ou não 100 mil habitantes, deverão dispor dos Serviços de Bombeiros.

As próprias corporações brasileiras reconhecem que os 68.555 bombeiros existentes não são suficientes para atender às demandas dos Estados e que a desproporção gera uma sobrecarga no trabalho desses profissionais. Um déficit que se reflete nos números nacionais da corporação: segundo levantamento feito pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), apenas 11% dos municípios possuem Corpo de Bombeiros. E os outros municípios?

Normas Gerais de Organização
Um dispositivo legal que poderia estabelecer, entre outras, as normas gerais de organização e efetivos das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares encontra-se, há muito tempo, tramitando em fase de Projeto de Lei no Congresso Nacional. Nele, o capítulo referente aos efetivos estabelece que os mesmos deverão ser fixados em lei, em conformidade com a extensão da área territorial, população, índices de criminalidade, riscos potenciais e desastres e condições sócio-econômicas da Unidade da Federação. Entretanto, o projeto do dispositivo legal, apesar de estabelecer critérios para o cálculo de efetivo, não fixa parâmetros para estes critérios. Com isso, perde-se uma oportunidade de corrigir e disciplinar a questão do cálculo de efetivo dessas corporações no Brasil.

A situação se agrava na medida em que o Comando da Polícia Militar designa Oficial sem qualquer formação de bombeiro para comandar o Corpo de Bombeiros não emancipado: o resultado é previsível! As respostas, após um grande sinistro, por exemplo, onde perecem várias pessoas, são evasivas, desconexas e sem qualquer conhecimento técnico para a análise de qualquer leigo, imagine de um técnico da área. Com isto, constata-se uma falta de respaldo técnico partindo de cima para baixo, resultando em desencontros na tomada de decisão e falta de confiança. A recíproca é verdadeira!

O que esperar de qualquer Corpo de Bombeiros, sempre reconhecido pela população como o mais confiável em relação às outras instituições, que, a qualquer momento, não cumpre devidamente suas missões e cujas falhas até não são percebidas pela população? A resposta é clara: Porque seus bombeiros se superam!

Mas essa é a solução para esses problemas? Vamos deixar ou manter esses níveis de atendimento? Não, não... Não! Para aquele que é consciente de seus compromissos com a população, essa situação poderá ultrapassar e superar as condições psicológicas e físicas de qualquer bombeiro, na acepção da palavra. Até quando esses bombeiros irão superar essas adversidades?

Solução
Parece-nos que o primeiro passo é a emancipação. Com a emancipação, o Corpo de Bombeiros poderá ser diretamente mais cobrado, sem a interferência da Polícia Militar na administração de seus recursos – humanos, materiais e financeiros e orçamentários.

Será que só basta isto? Entende-se que, com a emancipação, os órgãos superiores, independente de sua subordinação – se ao Secretário da Segurança ou Governador do Estado – deverão dotar o Corpo de Bombeiros de todas as condições necessárias e suficientes para o cumprimento de suas missões, propiciando, ao mesmo tempo, uma diminuição do prêmio de seguro no município que estiver instalado a Corporação, fator muito importante para a toda sociedade.

Mas tudo está perfeito com essas providências? Mais uma vez: não! Outras providências deverão ser tomadas, como, por exemplo, buscar a aprovação de um Código de Proteção Contra Incêndios e Emergências, definir claramente as competências dos Corpos de Bombeiros e, dentre elas, a de proporcionar ao Corpo de Bombeiros o “poder de polícia administrativa”.

O que poderá representar o “poder de polícia” para os Corpos de Bombeiros Brasileiros?

Poder de Polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. Sua finalidade, então, é a proteção ao interesse público.
Segundo Caio Tácito, o Poder de Polícia é, em suma, o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais. Constata-se que o Poder de Polícia foi instituído e outorgado aos integrantes da Administração Pública para evitarem as colisões no exercício dos direitos individuais de todos os indivíduos da sociedade, possuindo atributos específicos e peculiares para o seu exercício, que são a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade.

Assim, esse instrumento é muito importante para os Corpos de Bombeiros para impedir a prática de certos atos que contrariam o interesse público. É possível que, se o Corpo de Bombeiros do Estado do Rio Grande do Sul tivesse o poder de polícia para interditar a boate Kiss, em razão das deficiências encontradas – falta de saídas de emergências, limitação da lotação, equipamentos de combate a incêndios adequados, sistemas de alarmes, etc. – possivelmente não estaríamos, hoje, lamentando a morte do número elevado de pessoas. Isto porque a boate Kiss deveria atender todas as normas de segurança contra incêndio e, se caso não cumprisse, o “poder de polícia” seria o instrumento a ser utilizado para a aplicação das regras cominadas pela lei, como, por exemplo, a interdição do local, o que legitimaria a sua ação. Em virtude do poder de polícia o mesmo será empregado pelo Corpo de Bombeiros a fim de assegurar o bem-estar público ameaçado.

Por derradeiro, é de se concluir que todo Corpo de Bombeiro deve ser autônomo, fundamentado em legislação específica para cumprimento de suas missões próprias, devidamente equipado, e, para cumprimento de suas atribuições dentro do interesse público dispor do poder de polícia. 

Feita toda essa explanação e esperando que todos tenham lido, uma indagação poderá ser feita a mim por qualquer um de Você:

Quando estava no comando do Corpo de Bombeiros o que Você fez para tentar a emancipação e para melhorar os serviços de bombeiros?

Desde que assumi fui bem claro ao Comandante Geral, Coronel Assumpção, que era favorável a emancipação e iria lutar por isto e que eu seria quem deveria buscar as alternativas, aí, sim, com a participação espontânea daqueles que quiserem e que no início de seu Comando evitaria discutir o tema, como forma de solidariedade a sua atuação e início de comando.
Entretanto, passado um tempo comecei a reestruturar o CB em nível departamental e busquei apoio externo às ideias de emancipação. Convenci ao Secretário da Segurança para discutir com o Governador Fleury a respeito; entretanto, ele não quis saber, afirmando que como ficaria com os Coronéis da PM. De pronto respondi-lhe que, como Governador do Estado, mandaria “soltar e prender”. Ato contínuo ele desconversou e saiu da discussão.
Quanto ao reequipamento dos serviços de bombeiros, tive a sorte de, após negociação com o Secretário do Planejamento obter muitos recursos que possibilitaram adquirir a maioria dos equipamentos existentes, principalmente de veículos e equipamentos especializados.

É patente a diferenciação das missões de polícia e de bombeiro. Era a mesma situação entre a Polícia Civil e a Polícia Técnica. Fui, à época, solicitado pelo Deputado Erasmo Dias, via fone, a dar a minha opinião se a Polícia Técnica deveria ser separada da Polícia Técnica, no que respondi que sim e comparei com a mesma situação do CB em relação a PM. A Polícia Técnica foi separada da Polícia Civil!

Toda organização tem, infelizmente, bons e maus profissionais. São sempre as ações desses maus profissionais que são colocadas para a população, através da mídia, que passam a generalizar toda corporação. Vide os percentuais de aceitação dos serviços públicos, nos quais o CB, considerado o mais confiável, que estava sempre na faixa dos 90%, continua como o mais confiável, mas está, atualmente, entre 70 e 80% de aceitação.
Muitas dessas situações são consequências de decisões políticas, nada técnica, que ajudam aumentar o descrédito da PM: As passeatas devem ser respeitadas! Não se deve enfrentar e nem causar qualquer sequela!
Aí, o que ocorre: a PM é vista como omissa! Vide os problemas causados desde junho do ano passado onde pessoas infiltradas nas passeatas arrebentavam agências bancárias, mercearias e supermercados. E a última baderna realizada por “bandidos” no CT do Corinthians: os policiais militares apenas olhavam sem qualquer atitude. Não precisa ser policial militar para ficar triste, todo cidadão responsável passa a olhar a PM como uma corporação inútil e omissa. Fui questionado por familiares a respeito e não consegui dar uma explicação consistente.
A PM nunca deve ser omissa e nem aceitar decisões políticas, com medo de que os escalões superiores sejam retirados de suas funções de Comando.
Com ou sem o CB, a PM sempre será a bucha de canhão! Todas as demais unidades que pertencem a PM tem seu caráter ostensivo preventivo. Isto não quer dizer que a PM deve sair por aí a cometer arbitrariedades.

Desde que o CB passou a integrar a PM, só teve e continua tendo prejuízos quanto a fixação de seu efetivo, promoção de oficiais, transferências de oficiais e praças para unidades de policiamento, aprovação do quadro de bombeiros e do código de segurança contra incêndios e emergências, dentre outros.

Portanto, prezados companheiros, gosto da PM e, particularmente, do CB. Não só a emoção dirige minhas decisões, mas o tempo que passei na PM – 32 anos – dos quais a maioria no CB, e o raciocínio me conduzem a conclusão de que a emancipação é o melhor caminho para a PM e para o CB.

Estou à disposição de todos. Caso resolvam divulgar, fiquem à vontade.
Um abraço,
Coronel Edson Sampaio

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