terça-feira, 3 de novembro de 2015

Histórias dos Tempos da Força Pública

Mais um episódio da época da FP

---------- Mensagem encaminhada ----------
De: <ralphsolimeo@terra.com.br>
Data: 02/11/2015 10:15
Assunto: Tempos da Força Pública
Para:

Amigos

No âmbito do Cbb-Ninho, vem se discutindo muito sobre a questão salarial: isto parece uma "herança maldita", que há muito nos persegue.
Embora  já tenha publicado algumas narrativas sobre nossas lutas salariais, nos nossos "tempos da  Força Pública, aproveito a oportunidade para relembrá-las, pois creio que muitos dos Oficiais, especialmente os mais jovens, delas não conheceram..
Abçs
Ralph

O QG Velho
 
Durante os governos do Jânio Quadros/ e do Carvalho Pinto, a situação da Força Pública era de um "miseré" danado", em todos os sentidos sendo a dos vencimentos, então, calamitosa. Isto provocava reunião constantes de Oficiais, para protesatar contra o modo como o Governo tratava a Força Pública. O Comando Geral, para evitar tais reuniões, colocava a tropa em prontidão, recolhendo todo mundo aos quartéis.
 A única forma encontrada por esses grupos para manifestarem o seu desagrado com a situação, era fazer greve branca, deixando os seus Batalhões e se apresentando presos ao Quartel General.
 A primeira dessas manifestações deu-se em março de 1960, sendo os oficiais enviados presos para quartéis do Interior: os capitães para Taubaté e os tenentes para Sorocaba.
Quando dessa prisão, muitos dos oficiais que haviam prometido comparecer, não o fizeram, levando um gaiato a dizer que eles haviam se enganado e se apresentado no QG velho.
Pura gozação, pois que o Quartel General, que funcionara muito tempo em um casarão da Avenida Tiradentes, havia sido transferido para a sua atual sede em dezembro de 1957.
Esse episódio incorporou-se ao anedotário policial militar da época e toda a vez que alguém "dava o cano" em qualquer encontro, dizia-se:
_ "Já sei. Você foi para o QG velho".
 
Num sábado quente de novembro, desse mesmo ano, já passava do meio dia, quando o Aspirante a Oficial, o Edson Pasteur e eu, retornamos ao Batalhão de Guardas, após termos "puxado" mais de 24 horas de serviço na guarda de presídios e tomamos conhecimento de que Oficiais, de várias Unidades, haviam se dirigido ao Quartel General em protesto e sido enviados presos para o 5° Batalhão, em Taubaté..
Não pensamos duas vezes e decidimos ir nos reunir ao grupo.
 _Mas, como, se nenhum dos dois tinha um único centavo nos bolsos?
 A solução foi ir até a casa do pai do Pasteur, por ser mais próxima, na Parada Inglesa e pedir-lhe dinheiro emprestado.
 Antes de embarcarmos, restava avisar a minha esposa, para o que "escalei" um soldado para lhe levar um bilhete até a minha casa, na Penha, pois que, naqueles tempos, telefone era coisa rara:
_ Bem, estou indo preso para Taubaté. Não sei quando retorno.
Ao chegarmos a Taubaté, demos de encontro com o comandante do 5° Batalhão, na estação rodoviária:
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_ O que vocês vieram fazer aqui", nos  perguntou o Coronel, com o seu sotaque típico do "Vale".
_ Nós viemos nos juntar aos nossos colegas presos.
_ Nada disso. Não tem lugar para mais ninguém. Estou indo para São Paulo e vocês voltam comigo.
_ Comandante! O senhor vai nos desculpar, mas ficará feio para nós, voltarmos com o senhor, porque toda a nossa turma está aqui presa no seu Quartel.
...O Coronel Nabor era uma boa praça e, com mais um pouco de conversa, acabou cedendo.
 O grupo preso no quartel do 5° B C, compreendia uns cinquenta Oficiais: alguns poucos capitães, a maioria tenentes e alguns Aspirantes mais antigos, já com mais de três anos no "posto". Aliás, uma das reivindicações mais prementes, além do reajuste salarial, era a questão das promoções, que estavam praticamente paralisadas em razão da não atualização do quadro de oficiais, segundo às necessidades do serviço. As promoções ocorriam somente quando alguém, especialmente do diminuto número de coronéis, resolvia passar para a Reserva.
Para muitos, que trabalhavam em arrochados regimes de serviço, na base do "vinte e quatro por daqui a pouco", aqueles dias em Taubaté pareciam férias: acordávamos cedo, jogávamos futebol, matávamos as saudades dos velhos amigos em longos bate-papos e, em inúmeras reuniões, discutíamos sobre os problemas da Corporação.
Entre as "decisões" tomadas, ficou acertado que se o Governo não atendesse as reivindicações da Corporação, especialmente as salariais, os serviços policiais deveriam ser paralisados, começando-se pelos Destacamentos mais distantes do Interior, obrigando, tanto o Comando Geral, como o Exército, que certamente seria convocado, a dispersarem os seus efetivos e, só então,  parar a Capital.
Este plano não pode ser posto em prática, pois a situação se precipitou em razão da tomada dos Campos Elísios, pelos Bombeiros, algum tempo depois.
Ao final da semana, fomos acordados pelo toque da alvorada  executado pela Banda de Música do Batalhão, como uma forma gentil do Comandante da Unidade de se solidarizar com os "seus prisioneiros", dando-lhes uma despedida festiva.
Novamente, muitos oficiais faltaram a essa manifestação de protesto: os "revolucionários da boca pra fora", certamente, tinham se apresentado no QG velho "".Ralph
 
 
 

Um comentário:

  1. Tempos difíceis, mas apesar de existirem alguns "revolucionários da boca pra fora", a oficialidade era bastante determinada.
    Nos dias atuais, acho que seria necessário instalar o "QG velho" no estádio do Pacaembú.

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