quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Comandante do Exército defende afastamento de general que criticou o governo

 

Comandante do Exército defende afastamento de general que criticou o governo e diz não haver motivo para intervenção

"Há uma crise ética, mas instituições cumprem seu papel"
Tânia Monteiro / Brasília
Dois dias depois de se ver obrigado a demitir o comandante militar do Sul,
 general quatro estrelas Antonio Hamilton Martins Mourão, e transferi-lo
 para a Secretaria de Economia e Finanças, o comandante do Exército,
general Eduardo Villas Bôas, concedeu entrevista ao Estado na qual avisou
que quem fala pela Força é somente ele. Mourão fez declarações de cunho
político nas quais pregou o "despertar de uma luta patriótica" e afirmou
que "a vantagem da mudança (da presidente da  República) seria o descarte
 da incompetência, má gestão e corrupção". Apesar da ressalva, o
 comandante defendeu que "militar pode falar" e "tem de falar", destacando,
 no entanto, que "cada um na sua esfera de atribuição". "Em questões
institucionais", afirmou, "quem se manifesta é o comandante".
Villas Bôas declarou que "há uma crise ética no País", embora ressalve que
a chegada do PT ao poder "não tem responsabilidade nisso". Disse também
que "a corrupção está instalada no Brasil", mas que todas as
instituições estão em pleno funcionamento e que "não há chance" de
 intervenção dos militares.
Ao citar os cortes orçamentários afirmou que houve forte impacto na Força,
 que já tem "problemas nas fronteiras" e que está faltando munição. Disse
 ainda que a substituição dos 226 mil fuzis FAL, da década de 1960, pode
demorar 226 anos porque atualmente só há recursos para se comprar mil
fuzis por ano.

A demissão do general Mourão foi uma punição exemplar?
Trata-se de um oficial reconhecido na Força, que tem todo o respeito do
comandante. Mas essa questão não pode ser abordada de maneira simplista.
 Essa movimentação teve o sentido de que toda e qualquer manifestação
do Exército tem de ser institucional.

O sr. teme que possa haver solidariedade ou indisciplina na Força?
Dentro do Exército, não. Se não se tomasse nenhuma providência poderia
 ser um precedente. A intenção é fazer um sinal de que esse procedimento
não pode ser aceito.

Militar não deve falar?
Militar tem de falar, pode falar. É lógico que, cada um na sua esfera de
atribuição e nas questões institucionais, quem se manifesta é o
comandante. A sociedade se desacostumou a ouvir os militares e sempre
que os militares se manifestam isso causa alguma reação, repercussão e
 não deve ser assim. O segmento militar faz parte da sociedade e do
Estado e tem um papel muito importante.

O sr. falou do risco de uma crise política atual se transformar 
em crise social, que isso preocupa e diz respeito às Forças Armadas.
O Exército passou 14 meses na Favela da Maré, no Rio, porque havia
risco de crise social. Nos preocupa sim porque se a crise econômica
prossegue, o desemprego e a falta de perspectiva aumentam e
 é natural que isso acabe se transformando em um problema social.
E problema social que se agrava, se transforma em violência,
passa a nos dizer respeito diretamente. Esse é o papel constitucional
do Exército. Nosso papel é manter a estabilidade e qualquer coisa
que venha eventualmente a quebrar essa estabilidade preocupa.

Mas isso não tem nada a ver com intervenção política?
Absolutamente. Não tem. E é bom que fique claro isso. O Brasil é um País
com instituições sólidas e
amadurecidas, que estão cumprindo seus papéis.

O governo está com baixíssima credibilidade e sob acusação 
de corrupção, problemas econômicos. A presidente tem condição 
de enfrentar e superar este momento?
Cabe às instituições solucionarem. Temos o Supremo Tribunal Federal,
 o Ministério Público, o Tribunal de Contas da União, a Polícia Federal.
Todas as instituições do Executivo, do Legislativo e do Judiciário estão
funcionando. A gente sente que há uma incerteza. São tantos
 atores, as variáveis que se movimentam, que é difícil dizer qual será
o desfecho disso. Mas eu acredito que esta situação vai se solucionar
sem quebra da normalidade institucional do País.

O presidente da CUT convocou a população a pegar em armas e 
ocupar trincheiras para defender o mandato da presidente Dilma.
Esse tipo de manifestação nos preocupa porque se trata de incitamento à
violência. Ela não contribui para a estabilidade do País e a normalidade
do funcionamento das instituições. Mas é algo que diz respeito à segurança
 pública diretamente. Então nos preocupa, mas de maneira nenhuma vai
provocar nossa atuação.

O sr. teme que, caso o Congresso decida pelo impeachment da 
presidente, haja uma convulsão social e o Exército tenha de entrar?
O Exército deve estar preparado para qualquer emprego previsto na
Constituição.

Um presidente da Câmara dos Deputados acusado de vários crimes é
 um problema?
Esse é um problema que toca diretamente e deve ser solucionado no
 ambiente do Legislativo. Não faz parte das atribuições do Exército.

Há uma crise ética no País?
Há uma crise ética no País. Inclusive, está muito mais comum do que se
pensa as pessoas pedirem que o Exército tome providências para
 solucionar a crise. Elas estão demandando, na verdade, os valores
que as Forças Armadas representam e a sociedade está carente.
Sem a restauração desses valores é difícil que o Brasil recupere
trajetória de evolução, do progresso e do desenvolvimento.

A chegada do PT ao poder tem responsabilidade nisso?
Não, absolutamente. Isso já vem de algum tempo. Essa crise ética da
sociedade brasileira é um processo que não se instaura de um momento
para o outro. Nem mesmo a autoridade da professora na sala de aula está
 sendo mais reconhecida.

O sr. concorda que a corrupção está instalada no Brasil?
Concordo. Mas eu diria que esse é um estado de coisas que nós vivemos.
Durante a Operação Pipa, no Nordeste, 60% dos 6.800 caminhoneiros que
trabalham na distribuição de água tentaram algum tipo de fraude. Não se
trata de estigmatizar os caminhoneiros. Eles fazem parte da sociedade
 brasileira. São práticas que se tornaram comuns na sociedade e isso é a
base de uma pirâmide. A medida que vai subindo, vai se potencializando.

Os cortes vão trazer problemas para as fronteiras?
Já temos problemas nas fronteiras. Apesar de todo o esforço e sacrifício
de nosso pessoal, temos dificuldades para cumprir nossas missões. O
 Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras), por exemplo,
já está ameaçado. A previsão original era de instalação em dez anos, de
 2012 a 2022. Com os seguidos cortes, a conclusão foi adiada para 2035 e,
agora, não ficará pronto antes de 2065. Ou seja, todas as tecnologias
 desenvolvidas de agora já estarão obsoletas.

Os nossos armamentos como os fuzis estão obsoletos?
Usamos ainda o fuzil FAL da década de 1960, que já está se
tornando obsoleto. A Imbel desenvolveu o fuzil IA2, que está sendo
usado pelas tropas brasileiras no Haiti. Mas ele está sendo produzido
num ritmo muito menor do que seria necessário. Precisamos substituir
os 226 mil fuzis. Mas só estamos comprando mil deles por ano. Também
 está faltando munição e isso deixa o adestramento  prejudicado.

Isso quer dizer que caso precise haver emprego da Força, nós 
poderemos ter problemas?
Poderemos.
ESTADO DE SÃO PAULO, via Resenha do Exército/montedo.com
Postado por às 17:10  

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