segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Tempos da Força Pública=- II



 Relembrando. Este episódio ficou, muito tempo, conhecido como a Greve dos Bombeiros, muito embora dele tenham participado Oficiais de várias Unidades da Capital.

         A TOMADA DOS CAMPOS ELÍSIOS

Em 1967, fui convidado para dar aulas de Educação Moral e Cívica em um ginásio, matéria esta que a Revolução havia "ressuscitado". Um dos requisitos para tal, era apresentar o Atestado de Antecedentes Políticos.
Nenhuma dificuldade, pensei, e o requeri ao Departamento de Ordem Política e Social, DOPS. Qual não foi a minha surpresa quando, ao receber tal atestado, este acusava que eu "era fichado", pois tinha antecedentes criminais.       Procurei um delegado, amigo meu naquele Departamento e juntos fomos até o fichário. Numa enorme sala atravancada de imensas prateleiras, encontramos o meu prontuário e dentro dele, num papelucho verde escrito à mão, constava: respondeu a dois IPM por rebelião, em 1961.
_ Ah! Aquela rebelião...

Era o ano de 1961, nós havíamos saído de um governo de arrocho geral, para entrar em outro, que era, praticamente, o mesmo, pois o governador Carvalho Pinto, havia sido Secretário da Fazenda de Jânio Quadros. Ambos haviam elegido como meta principal a "restauração das finanças públicas" e, quando isto acontece, se reduzem drasticamente as verbas de investimentos e se cortam despesas de custeio. A Força Pública foi uma das eleitas para sofrer estes cortes.
Vivíamos numa situação de penúria franciscana em todos os setores: a nossa frota de transporte de tropa era constituída de uns poucos caminhões com mais de vinte anos, o que nos obrigava a longos deslocamentos a pé, não só pela falta destes, mas, também, pelas constantes quebras; as viaturas leves não passavam de meia dúzia de jipes, além dos velhos Chevrolets dos comandantes dos batalhões; a tropa andava maltrapilha, pois raramente recebia as peças de uniforme, mesmo as mais básicas; a falta de efetivo obrigava ao emprego de escalas de serviço cada vez mais apertadas, com horários de vinte e quatro horas de serviço por vinte e quatro de folga, também conhecido por vinte e quatro por daqui a pouco, pois era comum a folga ser intercalada com serviços extras de guardas de honra, prontidões, controle de distúrbios civis, etc., acabando por se transformar, de fato, em apenas o intervalo entre dois serviços – no entender de alguns comandantes da época,  "a folga não era um direito, mas uma concessão" - a situação financeira de todos era calamitosa, chegando o soldado a ganhar menos que o salário mínimo - foi à época em que ocorreram mais suicídios, especialmente de oficiais.
Como a nossa mão de obra era barata e disciplinada, não podendo rejeitar nenhuma missão, era utilizada para um cem número de atividades, que nada tinham a ver com as nossas funções, como, por exemplo, a formação de um o batalhão para cortar os laranjais do Estado atacados pelo cancro cítrico, onerando o já minguado efetivo.
 Ante a carência de Oficiais, o Governo decidiu pela compressão do curso de duas turmas da Escola de Oficiais: os alunos, que terminariam o curso em dezembro de 1957, o fizeram em agosto e a nossa turma, que sairia em dezembro de 1958, foi declarada Aspirante a Oficial a 21 de abril. Entretanto, o governo, no seu pragmatismo amoral, decidiu que se os Aspirantes podiam desempenhar as mesmas funções que os tenentes e ganhando menos, para que os "promover". Assim, chegamos a ter Aspirantes de três turmas distintas: os primeiros colocados da minha turma só foram promovidos a tenentes em 24/05/1961.
Por estas e outras razões, ocorreram inúmeros atos de "rebeldia" coletiva de oficiais, levando o Comando Geral a decretar "prontidões", como uma forma de evitar a reunião de oficiais. Outra medida era prender os Oficias rebeldes e remetê-los para Unidades do Interior.
Como me envolvi nesta rebelião de 1961?
Numa terça feira de janeiro, despedí-me de minha mulher, afirmando que voltaria para o jantar e segui para a Assembleia Legislativa, onde seria discutido o aumento geral para a Força Pública.
Havia razão para esse meu otimismo: embora o Governo se opusesse, vários deputados do PTN, (Partido Trabalhista Nacional), partido majoritário no Legislativo, haviam nos garantido que aprovariam o projeto de lei que concederia um bom reajuste nos nossos vencimentos, por isso todos os oficiais de folga compareceram fardados à Assembleia, que ficava no antigo Palácio das Indústrias: o "castelinho" do Parque D. Pedro II.
. A sessão começou por volta das três horas da tarde, mas o tempo passava somente com discursos protelatórios, evitando-se o encaminhamento da votação do projeto de lei, por não havia garantias para a sua aprovação, pois os deputados do PTN diziam que somente poderiam votar a nosso favor com o aval do líder do partido, o deputado Emílio Carlos, que ninguém sabia onde se encontrava.
Um grupo de oficiais passou a correr pelos quatro cantos da cidade à procura do dito cujo em buscas infrutíferas. A discussão varou a noite e já amanhecendo o dia, com o clima tenso, em que quase ocorreram agressões entre deputados e Oficiais, a sessão foi suspensa, sem que o projeto fosse votado. A DPM, (Departamento de Polícia Militar), tropa disciplinar da Força Pública, cercou o prédio, para prevenir qualquer violência por parte do Oficias, aconselhando-os a que se recolhessem aos seus quartéis. Ficou acertada uma reunião para à tarde daquele dia, pois às quartas feiras o expediente encerrava-se às 12,00 horas.
   Entretanto, os oficiais do Corpo de Bombeiros, chegando ao Quartel, decidiram paralisar o serviço e recolher toda a tropa destacada para a "Central" da Praça da Sé.
   Isto motivou outra prontidão em toda a guarnição da Capital, acompanhada da intervenção do Exército com um Coronel assumindo o Comando do Corpo de Bombeiros.
No sábado seguinte, pela manhã, os Bombeiros foram autorizados pelo Coronel interventor, a retornar aos seus quartéis de origem. Quando a tropa do 1º Grupamento saía, alguém gritou:
 ­"Vamos para o Palácio", e todo efetivo do Corpo de Bombeiros, com as respectivas viaturas, dirigiu-se ao Palácio do Governo, que ficava nos Campos Elísios, cercando-o.
Como a Companhia de Guardas do Palácio, pertencia ao Batalhão de Guardas, o antigo B G, o Comandante recebeu ordem de enviar tropas para reforçar a segurança do Palácio. Quando o reforço pedido preparava-se para o embarque, os tenentes Catalano e Plínio Vaz, o Aspirante Aquiles Craveiro e eu, nos colocamos frente dos pelotões dizendo-lhes que não deveriam ir ajudar a prender os companheiros, que cercavam o Palácio.
. Ante a indecisão dos soldados, o Juazez, um sargento antigão, saindo de forma gritou:
-Os tenentes já não deram a ordem, o que vocês estão esperando? Vamos desarmar.
E o reforço não saiu.
Ao tomar conhecimento do fato, o Comandante do Batalhão determinou que nós quatro nos recolhêssemos presos ao alojamento.
A notícia da rebelião dos bombeiros correu como um rastilho de pólvora e Oficiais de várias Unidades, na sua maioria, tenentes, aspirantes e alguns capitães, também decidiram paralisar os serviços, o que levou o Comando do II Exército a intervir em toda a Corporação, determinando a prisão dos rebelados e o seu recolhimento a Quartéis do EB, sendo, posteriormente, todos transferidos para o Forte do Itaipu, na Praia Grande.
Quando nós quatro estávamos embarcando no ônibus, que trazia presos os oficiais do Regimento de Cavalaria com destino às Unidades do EB, as praças, que estavam em forma no pátio do B G ouvindo uma preleção do Comandante, saíram em peso para a rua e cercando o ônibus ameaçaram:
-"Se os tenentes forem presos nós também vamos".


Ante o impasse, o Comandante optou por nos manter presos no nosso quartel, contrariando a determinação do Coronel do Exército, interventor na Força Pública, sendo por isto recriminado.
À noite, durante a revista do recolher, nós escolhemos os sargentos com mais liderança e os orientamos para que na manhã seguinte não houvesse ninguém no quartel para assumir as guardas dos presídios e assim foi feito: à revista da manhã, só se encontravam uns poucos deserdados que não tinham onde cair morto.
Conclusão: respondemos a dois Inquéritos Policial Militar, (IPM), mas como todos eram simpáticos à nossa atuação, por entender que a situação da Força Pública não podia continuar como estava, os Inquéritos foram conduzidos no sentido de classificar a nossa rebeldia como falta disciplinar e não como crime militar, solução aceita pelo Comandante, que, àquela época, tinha competência para arquivá-los. Mas não saímos sem chumbo: fomos "agraciados" com dez dias de prisão, para cada Inquérito, evidentemente, fazendo serviço, dada a carência de efetivo.
Mais tarde, os oficiais que estiveram presos no Forte Itaipu foram anistiados: nós, não, pois o assunto ficou restrito à nossa Unidade.
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   Quanto às minhas aulas de Educação Moral e Cívica, pude assumi-las porque o Delegado do DOPS, pegando aquele papelucho, amassou-o e jogou-o no cesto de lixo, eliminando os meus antecedentes político-criminais. ".
Ralph  –








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