A Proposta de Emenda à Constituição 37 de 2011, apelidada, com inigualável
habilidade de marketing, “PEC da impunidade”, não traz uma única linha ou
vertente capaz de tolher os poderes originariamente concedidos ao Ministério
Público pela própria Constituição Federal. Muito pelo contrário: busca, apenas,
acabar com interpretações distorcidas que, a bem da verdade, restringem a
atuação ministerial nas investigações criminais, especialmente no que diz
respeito às prisões cautelares (temporária e preventiva).
A Constituição vigente é clara ao estabelecer que a segurança pública é
atividade exercida de forma ostensiva (pelo combate direto à criminalidade
iminente) e pela investigação de crimes já praticados. Esta segunda função, que
se desenvolve por intermédio de inquéritos instaurados e presididos por
delegados de Polícia, fica a cargo da Polícia Federal e das Polícias Civis
(denominadas Polícia Judiciária).
A mesma Carta Constitucional também definiu muito bem as funções do
Ministério Público: garantiu sua participação ativa nas investigações criminais
ao atribuir-lhe o controle externo da atividade policial, função exclusiva e
indispensável ao futuro exercício da Ação Penal. Além disso, permitiu-lhe
requisitar instauração de inquéritos policiais e diligências investigatórias a
serem realizadas pela Polícia Judiciária (que, por sinal, é obrigada a atender à
requisição).
Portanto, o que a PEC 37/2011 busca é apenas manter as funções institucionais
nos exatos termos em que foram planejadas pelo nosso poder constituinte
originário. E o faz com a seguinte normatização: “a apuração das infrações
penais incumbem privativamente às polícias federal e civis”. Nada além
disso.
Assim, sem alterar, em uma vírgula sequer, os poderes investigatórios já
atribuídos ao Ministério Público, a PEC 37/2011, se aprovada, impedirá que este
órgão, ao arvorar-se na condição de investigador policial, reduza sua capacidade
postulatória especialmente em relação às prisões cautelares.
Isto porque, em tema relacionado às prisões, vigora o princípio da estrita
legalidade, que impede qualquer interpretação extensiva ou analógica das regras
que restringem a liberdade. Os dispositivos legais que permitem a decretação das
prisões temporária e preventiva, por seus turnos, exigem, respectivamente,
“inquérito policial” ou “investigação policial” como pressuposto de existência
da custódia cautelar sem processo.
Neste sentido é o artigo 1º da Lei 7.960/1989, que permite a prisão
temporária desde que imprescindível para as “investigações do inquérito
policial”. O artigo 311 do Código de Processo Penal, no mesmo diapasão, admite
prisão preventiva “em qualquer fase da investigação policial ou do processo
penal”.
Inquérito policial, porém, é instrumento dotado de formalismo e
previsibilidade legal, destinado à reunião de elementos acerca de uma infração
penal, o que se faz pelas investigações e diligências realizadas pela Polícia
Judiciária — e somente por ela. Não se confunde, jamais, com o autodenominado
PIC — Procedimento Investigatório Criminal, desenvolvido
diretamente pelo Ministério Público. A diferença entre os dois procedimentos é
tão clara que a própria Resolução que regulamenta o PIC (13/2006 — CNMP)
estabelece que o Ministério Público, ao término de sua investigação direta,
requisite a instauração de inquérito policial (artigo 2º, inciso V). Mais:
enquanto, por imposição constitucional e processual, o inquérito policial é
submetido ao controle do Ministério Público, o PIC é procedimento
descontrolado.
Por fim, mesmo com a aprovação da PEC 37/2011, o Ministério Público
continuará a promover, diretamente, investigações para proteger o patrimônio
público e social, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos. E, se
em tais investigações, destinadas inicialmente a subsidiar Ação Civil Pública, o
Ministério Público constatar algum indício de crime, ele poderá requisitar a
instauração de inquérito policial ou oferecer denúncia, oportunidade em que se
legitima a representar pela decretação de prisão cautelar.
Diante disto, sofisma quem apelida a PEC 37/2011 de “PEC da impunidade”.
Muito pelo contrário: sua aprovação garantirá, ao Ministério Público, todos os
poderes investigatórios que lhe foram originariamente atribuídos pela
Constituição de 1988 sem qualquer diminuição e, acima de tudo, em absoluto
respeito ao Estado Democrático de Direito.
Carlos Kauffmann é advogado criminalista, conselheiro seccional e membro da
Comissão de Defesa da Constitucionalidade das Investigações Criminais da OAB
SP.
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