sábado, 1 de agosto de 2015

O SUBOFICIAL NO HOSPITAL DA FAB... (PARA DESANUVIAR)

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​ Amigos, especialmente o Synésio que pretendia escrever um livro com "causos de puliça e bombero"

Leia a interessante história do rico suboficial. História mesmo!



O SUBOFICIAL NO HOSPITAL DA FAB 

(FATO VERÍDICO)


Senhores e senhores:

O texto que segue é de minha autoria. Trata-se de um relato verdadeiro. Escrevi-o há alguns anos destinando-o a um grupo do qual faço parte intitulado Confraria dos Poetas e Cronistas Crônicos. Esperava que ficasse restrito ao grupo, mas há pouco fui surpreendido ao verificar que está circulando na internet. Sendo assim, faço-o chegar ao conhecimento de todos os meus contatos, mantendo, contudo, no anonimato, o nome do tenente Chefe do Rancho, hoje coronel, meu estimado amigo EVC.
Façam bom proveito
​.

Mario Santos​

O SUBOFICIAL NO HOSPITAL DA FAB

O suboficial, quase sessentão, mas em boa forma, chegou, na década dos anos 70, ao Hospital da Aeronáutica, no final da tarde, internando-se para ser operado no dia seguinte, fazendo-se acompanhar da mulher, que, de pronto, despertou a atenção do sargento enfermeiro que preencheu a papelada burocrática de praxe: a guia de internação, a ficha com os dados pessoais do paciente e a autorização para desconto em folha das despesas não cobertas pelo "plano de saúde" da Aeronáutica.
A atenção despertada no sargento enfermeiro teve motivos extra burocráticos, posto que a mulher que acompanhava o suboficial, ainda na fase dos vinte anos, era linda demais, gostosa demais, simpática demais, tratava o sub com muita delicadeza e atenção, chuchuzinho, amorzinho e quetais.
A notícia logo se espalhou pelo hospital, inicialmente entre os subalternos, em seguida entre os oficiais médicos, principalmente quando o médico-de-dia foi ao quarto destinado ao paciente encontrando-a muito à vontade, já deitada na cama de acompanhante. Vestia um baby-doll branquinho, transparente, de renda, muito decotado, não usava sutiã, não usava calcinha, dava pra se ver a penugenzinha. De pernas cruzadas, lia uma revista feminina. O médico tirou a temperatura e a pressão do paciente, mas a pressão que realmente alcançou o mais alto pico foi a dele, quando ela se levantou, calçou sandálias de salto alto e se aproximou com um sorriso encantador pedindo-lhe que cuidasse bem do sub, ela sabia que a operação seria delicada, estava muito nervosa...
O médico prometeu que o faria e que durante a operação mantê-la-ia informada, mas que não se preocupasse porque o cirurgião que iria operá-lo era muito bom, tinha feito especialização no "Walter Reed Army Medical Center", o hospital que atende os presidentes dos EUA, e era membro da American Society of General Surgeons. Ao que ela, fazendo troça, mas deixando transparecer que sabia inglês, fez uma carinha e disse, suavemente, "mas o meu amor não é general, é apenas suboficial..."
Mais três médicos foram tirar a temperatura e a pressão do paciente, cada um ouvindo a mesma súplica da gostosa, cada um respondendo a mesma coisa, e o último até tirou a temperatura e a pressão dela, voltando em seguida com um copo d'água e um comprimido tranquilizante, que fez questão de depositar na língua da jovem senhora. Derramou-se em amabilidades. Era o que, naquela época, não mais se chamava de médico de família, mas ele se sentiu na obrigação de assumir essa condição, conforme explicou, enfatizou, afirmou e reafirmou. Foi tão amável que ela não se conteve e exclamou: "doutor, o senhor é um amor". O cara se despediu e foi tocar uma!
Na manhã seguinte, outros três médicos foram ao quarto, dentre os quais o cirurgião, um coronel, que também a tranquilizou, porém foi formal.
Ao sair, encontrou por perto, no corredor, mais dois capitães médicos que aguardavam a vez para ver o paciente. O coronel disse-lhes que não era necessário, o suboficial estava aos seus cuidados.
O OPERATÓRIO

A operação foi demorada, mas transcorreu muito bem. O cirurgião até estranhou que, além do anestesista, da instrumentadora, do cirurgião assistente, mais outros médicos, devidamente paramentados com trajes cirúrgicos, tenham entrado e saído da sala de operações, cada um por sua vez.
Eles haviam combinado que, em separado, levariam as novas à jovem, que os recebeu com o mesmo baby-doll branquinho, transparente, de renda, muito decotado, não usava sutiã, não usava calcinha, dava pra se ver a penugenzinha... Um "colírio", apelido que deram a ela, e que logo se espalhou pelo hospital. Mas não passou disso, ela se mostrava em trajes íntimos, mas, reservada, não se deixava levar por nenhuma insinuação, desconversava...
O último tornou a tirar a sua temperatura e a pressão, mas fez a visita já levando o copo d'água e o comprimido tranquilizante, que, novamente, fez questão de depositar naquela língua, imaginando todas as delícias do mundo se ela o beijasse, se aquela língua...
Perto do meio-dia, o suboficial, mal desperto da anestesia geral, foi levado de volta para o quarto, acompanhado de uma enfermeira e mais dois médicos, que assistiram a explosão de alegria da jovem gostosa ao ter o convalescente de novo ao seu lado. Carinhosa, amorosa, beijou-lhe o rosto, não largou da sua mão, repetiu chuchuzinho, amorzinho e quetais.
O PÓS-OPERATÓRIO

E assim se passaram oito dias, não foram poucos os médicos que visitaram o paciente, e todos recomendaram à jovem acompanhante, "se ele tiver uma tossinha, qualquer desconforto, ligue pra mim, virei correndo, é minha obrigação, o juramento de Hipócrates, sabe como é, né. Um até complementou:
"Juro por Apolo, o médico, e por Esculápio, e pela Saúde, e pelo que tudo cura, e por todos os deuses e deusas que, conforme minha capacidade e discernimento, manterei este Juramento. Hipócrates, 400 ªC."
O paciente ouviu compenetrado e, a jovem extasiada, comentava: "doutor, que lindo!", o médico com uma certeza "essa tá no papo!".
Até o brigadeiro diretor fez duas visitas de cortesia, que não foram interpretadas com malícia, porque S. Exa. tinha o costume de visitar os convalescentes.
O tenente chefe do rancho era o mais presente, sempre procurando saber se ela tinha gostado do café da manhã, do almoço, do lanche, do jantar, da ceia. Nenhuma geladeira esteve mais suprida do que a desse quarto, finas iguarias, até mesmo uma garrafa pequena de whisky ele malocou, "quem sabe ela se serve, se desarma, dou o bote". Quando ela perguntou se ele podia mandar fazer estrogonofe com batatas fritas, ele concordou, levou pessoalmente, almoçaram juntos, ela se deliciou, conversaram muito, ele quase a tocou por debaixo da mesa, mas se conteve, noblesse oblige. O sub, coitado, continuou comendo aquela dieta de hospital, mas nem por isso descuidava de agradecer a todos as atenções recebidas pelo casal.
Aquela rotina assim transcorreu nos oito dias seguintes, as únicas coisas que mudaram foram os baby-dolls, porque ela tinha trazido uma coleção. O pretinho, então, fez uma sensação enorme. A televisão também foi trocada, o tenente chefe do rancho substituiu-a por uma maior e até providenciou um antenista para melhorar a recepção, naqueles idos em que as TVs a cabo ainda não haviam sentado praça em terras tupiniquins.
Certa feita, o oficial-de-dia que, no exato cumprimento do dever, também visitava o casal, surpreendeu o cabo da guarda no quarto, que lá estava a pretexto de verificar a segurança. Quase pegou dez dias de detenção, afastara-se do posto sem permissão, vacilara, mas o diretor aliviou. Ele considerou as atenuantes...
O NONO DIA

Na hora do lanche, o chefe do rancho, que naquele dia estava de serviço de oficial-de-dia, fez sua visita habitual. Ele se surpreendeu! E como se surpreendeu! Quando o suboficial pediu-lhe um irrecusável favor, explicando-lhe que a jovem acompanhante estava entediada, há nove dias trancada naquele quarto de hospital, o casal viera do interior de São Paulo, a moça não conhecia o Rio, o tenente bem que poderia sair com ela à noite, levá-la para jantar fora - não que a comida do rancho não seja excelente - enfatizou, e arrematou dizendo que tinha consciência de que o soldo era curto, mas que ele, apesar de suboficial da reserva, estava muito bem de vida, era homem de negócios, e fazia questão de pagar a despesa. Ato contínuo passou-lhe o cartão de crédito, faça bom uso, não economize.
O tenente, famoso pente-fino, não se fez de rogado, aceitou a incumbência e ressaltou, brioso, que "a esquadrilha é um punhado de amigos", como cantamos no Hino dos Aviadores, e acrescentou "a vibrar, a vibrar de emoção!" Só não acrescentou "não tememos da luta os perigos", porque temia - e como temia - não conseguir um colega que o substituísse no serviço de oficial-de-dia. Mas como a esquadrilha é realmente um punhado de amigos, não só conseguiu como abriu o jogo com o brigadeiro diretor, que consentiu a troca, advertindo, "comporte-se como um cavalheiro"!
O jantar foi delicioso, a boate mais ainda, e a sobremesa... Bem, vocês querem mesmo que eu conte qual foi a sobremesa? Contarei, sem entrar nos detalhes, afinal isso aqui é um relato castrense, não contempla a revelação de intimidades.
O tenente comportou-se como advertira o brigadeiro, substituindo, contudo, o substantivo pelo verbo: cavalgou, cavalgou, cavalgou até o dia amanhecer, até devolver a moça aos braços do baixado e o cartão de crédito, à carteira dele. O suboficial só largou a jovem gostosa, que abraçou ternamente, para dar-lhe um comovido e agradecido amplexo.
A GRAN FINALE

Naquela manhã o paciente teve alta, mas antes de sair pediu para ser recebido pelo brigadeiro, que temeu que o tenente não houvesse se comportado como um cavalheiro.
Assim se expressou o suboficial:
"Brigadeiro, quero agradecer o excepcional tratamento que me foi dispensado pelo hospital. Tenho a absoluta certeza de que nem o brigadeiro Eduardo Gomes, nosso exemplo, nossa lenda, um dos Dezoito do Forte, teria sido alvo de tantas atenções, tantos afagos, tantas cortesias, mas preciso explicar-lhe algo. Ao passar para a reserva fui morar em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, onde empreendi negócios, me saí muito bem, sou um empresário bem sucedido, posso dizer que sou um homem rico. Há três anos fiquei viúvo, e por uma coincidência sem par, a enfermidade que vitimou a minha mulher foi a mesma que me levou à mesa de operações. Eu poderia muito bem ter procurado um cirurgião civil de São Paulo, mas sabedor que aqui no hospital há um profissional muito reputado, com estágio no exterior, preferi ser operado por ele, e hoje estou, são e salvo, graças a Deus. Mas, uma semana antes de vir, contratei os serviços de uma garota do Cabaré La Licorne, a mais bonita, a mais gostosa, a mais provocativa, que me fez companhia durante esses dez dias, e a quem devo, não a excelência do serviço médico, mas o tratamento vip que me foi dispensado. Assim sendo, peço a V. Exa. que reúna os seus oficiais e os subalternos e diga-lhes que não sou corno.
"A todos, o meu muito obrigado, muito obrigado mesmo"!

Notas do autor:
1) A história é verídica, ressalvados os ganchos literários.
2) O tenente chefe do rancho, infelizmente, não era eu. Foi meu comandado, anos depois. Espero que ele, hoje um sexagenário, desculpe-me por não revelar o seu nome.


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BENEDITO DONIZETI MARQUES
Turma Tiradentes
bdmarques@gmail.com

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