A brasileira Zaida Sisson, que recebeu 380.000 reais do petista, abriu as portas para o ex-ministro no país. Ela é suspeita de lavagem de dinheiro – e está na mira da Lava Jato

Vídeos
obtidos pelo site de VEJA mostram a desenvoltura com que o ex-ministro
José Dirceu circulava no alto escalão do governo peruano no segundo
mandato do ex-presidente Lula - mesmo réu no processo do mensalão e
defenestrado da Casa Civil em 2005. Em encontros com autoridades do
país, o petista chega a se referir a estratégias comerciais do Planalto.
E afirma que o Peru era uma das prioridades de Lula. Um dos encontros
precede uma visita de Estado do ex-presidente ao país andino. Ao saber
que o tema Petrobras seria tratado, Dirceu afirma: "Isso é importante".
As portas para Dirceu no Peru foram abertas por meio da parceria com a
mulher de um ex-ministro peruano, que recebeu do petista 378.785 reais.
Outros 180.000 dólares (cerca de 620.000 reais) foram desembolsados pela
Galvão Engenharia a pedido de Dirceu. Com a ajuda da brasileira Zaida
Sisson de Castro, de 63 anos, o ex-ministro "expandiu sua consultoria
para atuar no Peru", segundo a Polícia Federal - e passou a circular na
cúpula do governo peruano.
Elo de Dirceu no país, a consultora Zaida era mulher do arquiteto
peruano Rodolfo Luis Beltrán Bravo. Ele foi ministro da Presidência
(1989-1990) no primeiro governo de Alan García, titular do Ministério do
Comércio Exterior e diretor do Banco Central da Reserva, além de
conselheiro comercial na embaixada peruana na Venezuela. Formado nos
Estados Unidos e no Brasil, Rodolfo Beltrán já foi condecorado pelo
governo brasileiro com a ordem Grã-Cruz da Medalha Cruzeiro do Sul.
Em 2 de novembro de 2009, Zaida levou Dirceu a uma reunião com o
então primeiro-ministro do Peru, o político do Partido Aprista Peruano
Javier Velásquez Quesquén, ex-presidente do Congresso Nacional. À época,
ela prestava serviços à filial peruana da Galvão Engenharia - a
empreiteira disse à Justiça que Dirceu esteve em uma reunião com Zaida e
autoridades do governo do Peru, em defesa de interesses da empresa. No
mesmo período, o marido de Zaida ocupava a diretoria do Agrorural,
programa governamental de desenvolvimento produtivo agrário e rural do
Ministério da Agricultura, no segundo governo do ex-presidente Alan
García. Dirceu já estava com mandato cassado, réu no mensalão e longe do
Palácio do Planalto, mas parecia falar em nome do governo brasileiro.
A reunião precedeu uma visita de Estado do ex-presidente Lula, no dia
11 de dezembro daquele ano. No fim do encontro, Dirceu perguntou a
Velásquez se Lula não iria ao Peru em breve. Zaida interveio e respondeu
que sim, e o premiê Velásquez acrescentou que conversariam sobre a
Petrobras. Dirceu fez um sinal positivo com a mão e disse: "Isso é
importante".
Na reunião, Dirceu conversou em "portunhol" com o então presidente do
Conselho de Ministros sobre o desenvolvimento do Brasil, defendeu a
integração tecnológica e disse que o Peru seria a saída "preferencial"
que o Brasil buscava para o Pacífico. Ele também afirmou que muitas
empresas brasileiras estavam interessadas em investir no país. "Tem
muitos empresários brasileiros que querem vir ao Peru", afirmou Dirceu.
"O Lula tem o Peru como prioridade na América do Sul. As relações com
Paraguai e Bolívia são de outro tipo porque temos contencioso e temos
que apoiar o desenvolvimento desses países. O Peru está em outro nível. E
com a Argentina temos problemas e mais problemas porque é natural, são
duas economias que competem", diz Dirceu. "Estou à ordem. Basta me
convocar que estou sempre à disposição do Peru", despediu-se.
A audiência foi gravada em vídeo e publicada por Zaida em um canal de
vídeos na internet. O registro da reunião foi apagado depois que o site
de VEJA questionou Zaida sobre sua atuação profissional e seus elos com
Dirceu. Ela não respondeu. Nesta quarta, ela enviou um comunicado em
que nega irregularidades.
No mês seguinte, Lula faria mais um incentivo aos investimentos
brasileiros no Peru, inclusive com crédito do BNDES. O ex-presidente
palestrou a empresários peruanos e brasileiros, reuniu-se reservadamente
com Alan García, e depois com o atual presidente, Ollanta Humala, do
Partido Nacionalista Peruano. Lula ainda assinou onze acordos de
cooperação com o país andino, na área de transporte aéreo, comércio e
energia, como a construção de uma hidrelétrica na fronteira com o Acre.
"Os empresários brasileiros, Alan - e tem muitos aqui que você conhece
-, sabem que desde 2003 eu tenho feito uma pressão imensa para que eles
façam investimento na América do Sul, porque a similaridade que existe
entre nós permite extraordinárias oportunidades de investimentos do Peru
no Brasil, do Brasil no Peru. Eu poderia pegar a Petrobras, que está
aqui, que ainda está investindo pouco no Peru; poderia pegar a Vale do
Rio Doce, que está aqui; e as coisas que eu mais discuto com eles é
fazer investimento no Peru, produzir coisas no Peru, gerar empregos no
Peru e exportar o excedente para o Brasil para que a gente possa
equilibrar a balança comercial entre Brasil e Peru", disse Lula.
Buscas - Zaida Sisson foi apontada pelo delator
Milton Pascowitch como parceira de negócios de Dirceu no Peru e indicada
pelo petista para "atuar na obtenção de contratos para a Engevix". Eles
se conheceram durante uma viagem ao país em 2008 com Dirceu, Gerson
Almada e José Antonio Sobrinho. Na ocasião, também se reuniram com
ministros das Águas, de Energia e com o presidente da Petroperu. O
Ministério Público Federal (MPF) afirma que há indícios de lavagem ou
ocultação de dinheiro por parte dela. Um endereço em nome de Zaida na
Rua Amaral Gurgel, região central de São Paulo, foi alvo de buscas da
Lava Jato na segunda-feira. O Ministério Público pediu o bloqueio de
bens dela, na quantia de 364.398 reais, referentes a vinte
transferências identificadas entre janeiro de 2009 a abril de 2010. "Há
evidências de que os serviços contratados pelas empreiteiras da JD não
foram realizados. Portanto, há elementos de prova de que Zaida tenha
recebido recursos de propina dessas empreiteiras para atuar em favor das
empresas no Peru", afirma o MPF.
Zaida recebeu de Dirceu pagamentos que somam ao todo 378.785 reais
entre 2008 e 2011, segundo a Receita Federal. Os repasses aparecem em
relatório do Fisco na movimentação declarada da JD Assessoria e
Consultoria, empresa de Dirceu usada, segundo delatores e investigadores
do petrolão, para movimentar propina. Zaida recebeu por meio da Blitz
Trading, empresa que abriu em 2003 no Brasil. A empresa tem como
principal objeto social a representação comercial, agenciamento de
comércio de máquinas, equipamentos, embarcações e aeronaves. A sede é um
apartamento em Porto Alegre (RS). Também é sócia da Blitz a filha da
consultora, Carol Sisson, estudante de jornalismo e blogueira de moda em
São Paulo. Zaida ainda é dona da SC Consultoría, registrada em Lima,
capital do Peru.
Por indicação de Dirceu, Zaida foi contratada pela filial peruana da
Galvão Engenharia por 5.000 dólares mensais para "analisar aspectos
sociológicos e políticos do Peru", prestar assessoria e divulgar o nome
da empreiteira em eventos no país. O contrato foi firmado com a SC
Consultoría e durou de três anos, segundo a informações da empreiteira, o
que daria um pagamento de 180.000 dólares. Ela ajudou a Galvão
Engenharia em um contrato com a estatal de águas e esgoto de Lima,
Sedapal. A Galvão declarou à Justiça que Zaida "realizou reuniões
periódicas com representantes da empresa e ministros da Agricultura
[setor em que o marido atuava], com o presidente regional de Tumbes,
prospectou projetos de interesse nas áreas de infraestrutura, saneamento
e rodovias, sendo que em ao menos uma dessas reuniões José Dirceu
esteve presente".
Dilma - A consultora mora no exterior há cerca de
quinze anos. Em 2002, ela foi delegada do PT no Peru durante as eleições
presidenciais e fez campanha para o ex-presidente Lula. Zaida se
apresenta na imprensa local como dirigente petista e militante do
Partido Aprista Peruano (Apra). O nome dela aparece em um
abaixo-assinado com objetivo de "denunciar" a violação de direitos
humanos à Anistia Internacional por ocasião da condenação de Dirceu no
mensalão. Nas eleições de 2010, ela deu entrevistas a rádios peruanas
defendendo a eleição da presidente Dilma Rousseff. "Dilma é uma
economista fantástica", diz Zaida.
Zaida e o ex-ministro Beltrán se conheceram em 1965 durante uma
competição de natação no Rio Grande do Sul. Nos anos 2000 se
reencontraram, reataram o romance e agora vivem em Lima. Eles se
apresentam atualmente como consultores privados na América Latina com
clientes na área de petróleo, gás e energia. Em um currículo online,
Zaida afirma ter sido executiva de contas de consultoria governamental
para a Petrobras e a PDVSA, estatal de petróleo venezuelana. Ela fez
parte da diretoria da Capebras (Câmara Binacional de Comércio e
Integração Peru-Brasil). A entidade tem como associadas subsidiárias
peruanas de empreiteiras flagradas na Lava Jato, como Odebrecht, Queiroz
Galvão, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, Galvão Engenharia, além da
Petrobras Perú, vendida pela estatal brasileira à chinesa CNPC.
Leia a nota de Zaida Sisson de Castro:
Ante as informações aparecidas ontem e hoje nos meios do Brasil e
Peru sobre uma suposta participação de minha pessoa em atividades
1) Minha pessoa desde o ano de 2001 vem prestando serviços de
consultoria a empresas que se estabelecem no Peru e em alguns casos no
Brasil.
2) Entre 2001 e 2003 fui designada vocal da Câmara de Comércio e
Integração Peru Brasil, entidade que posteriormente segui apoiando Ad
Honorem. Este favoreceu grandemente o comércio bilateral Peru e Brasil.
3) Com relação à consultoria que prestei à JD Consultoria de José
Dirceu, no Peru, iniciei contato com a empresa no ano de 2006 e comecei
um trabalho em conjunto no ano de 2008. Dado meu conhecimento com o
mercado peruano, apresentei meus serviços para identificar
possibilidades para empresas do Brasil no Peru, principalmente na área
de infraestrutura. Esta consultoria com a JD Consultoria terminou em
setembro de 2011.
4) Meu trabalho consistia em apoiar as empresas em sua fase de
instalação em um novo país, recomendações locais, legislação, normas
legais, laborais, indicação de profissionais competentes, identificação
de projetos pela via legal e transparente do setor público, a várias
empresas que desejavam se estabelecer no Peru. Também de acompanhar aos
diretores das empresas em reuniões solicitadas quando estivessem em
Lima, assim como o Sr. José Dirceu.
5) Rechaço categoricamente haver recebido pelas consultorias
neste período comissão ou pagamento com algum proposito ilícito. Meus
honorários foram em torno de 15.000 reais durante 35 meses devidamente
justificados e declarados ante as autoridades tributárias de ambos
países incluindo viáticos e gastos de viagem entre Peru/Brasil.
6) Não é certo como mencionam alguns meios que fui o braço
direito ou operadora do Sr. Dirceu no Peru. Meu rol foi sempre laboral e
de orientação com o devido comprimento e ética.
7) Ademais assessorei outras empresas que serão informadas dentro
do devido processo as autoridades brasileiras. Cabe mencionar que o
percentual das empresas comprometidas com a denominada Operação Lava
Jato, é mínimo em relação à totalidade das empresas consultadas pela
minha pessoa desde 2001. Algumas não passaram de simples consultas e
outras se concretizaram sempre com o devido contrato e declaração de
impostos e sobre tudo justificadas com atividades lícitas e
transparentes.
8) Todos meus ingressos estão devidamente justificados por
faturas, contratos e recibos declarados de acordo com a lei perante os
organismos fiscalizadores e tributários de Brasil e Peru.
9) Todas as consultorias no Brasil e Peru se realizaram efetiva e
transparentemente sempre seguindo os canais da administração pública de
ambos países.
10) O arquiteto Rodolfo Beltrán é meu esposo com quem estou
casada formalmente desde o ano 2008. Durante o período de 1989-1990,
quando foi Ministro de Estado, eu não tinha nenhum vínculo com ele. No
período de 2006 - 2011 o cargo de meu esposo no setor de Agricultura não
influenciou em nenhuma decisão relacionada com minhas consultorias.
Temos separação de bens e cada um tem seu campo de ação laboral bem
definidos.
11) Minha filha Carolina Sisson é sócia da empresa Blitz Trading,
mas não participou em nenhum trabalho ou ação realizada comercialmente.
12) Cabe ressaltar que os projetos que participei dentro de
minhas consultorias no Brasil não foram concluídos, apesar do trabalho
formalmente realizado. No caso da Construtora Galvão e Engevix não
participei em nenhum projeto concluído ou em curso destas empresas.
13) Não é certo que minha casa no Brasil tenha sido vasculhada
até o dia de hoje e retirado documentos comprometedores ou provas. O
processo neste caso no Brasil se denomina "pedido de busca e apreensão".
Esta ordem até o momento não foi iniciada e me encontro à espera para
colaborar com as autoridades.
14) Atualmente me encontro no Brasil justamente para esclarecer o
que as autoridades creiam conveniente, com os quais estou prestando
toda colaboração.
15) Muito agradecerei o encerramento das especulações em alguns
meios que não sejam baseados em documentos ou declarações reais. Estimo
se devem referir sempre a fontes oficiais e esperar o julgamento devido
antes de pré-julgar.
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