quinta-feira, 23 de agosto de 2012

- Ninguem como ele foi tao duro com o mensalao




 

Por Reinaldo Azevedo - 21 Ago 2012

Vocês têm de ler as palavras exemplares do ministro Marco Aurélio Mello. E eu não errei de personagem! Ninguém, como ele, foi tão duro com o mensalão e com os mensaleiros! Leiam e espalhem este texto!

Em 2006, o ministro enxergou com clareza a extensão dos crimes cometidos

Sabem quem proferiu até hoje a condenação mais clara, veemente, inequívoca e irrespondível dos mensaleiros? O ministro Marco Aurélio de Mello! Sim, ele mesmo! Eu, que o tenho criticado muito nos últimos tempos, não teria a menor dificuldade de assinar como se fossem minhas palavras que são suas. E, se as reflexões daquele Marco Aurélio estão presentes no Marco Aurélio de agora, a ambos devoto a minha admiração. Do que estou falando? Já chego lá. Antes, algumas considerações.

Eu não sei se os mensaleiros serão condenados ou absolvidos. Isso é com os membros do Supremo e com a consciência de cada um. Eu não fico tentando adivinhar o voto desse ou daquele. Limito-me a relatar e a comentar a fala dos ministros e sua atuação dentro e fora do tribunal. Muitos leitores andaram a me fazer cobranças por conta de algumas críticas que fiz aqui a Marco Aurélio Mello. Compreendo a razão. Já o elogiei muitas vezes, ele sabe disso, na contramão até da opinião considerada "correta" pela média da imprensa. Isso nunca me pautou. Não tenho o menor receio de ficar com a minoria se achar que ela está certa.

"E agora critica por quê?" Porque não me alinho com pessoas, mas com ideias; não apoio esta ou aquela personagens da vida pública em razão de afinidades pessoais, mas de suas escolhas e atitudes. Elogiei Marco Aurélio, um homem notavelmente inteligente, e outros tantos quando tomaram atitudes que considerei acertadas; e os critiquei quando, a meu juízo, erraram. Fiz consideração parecida quando tratei do ministro Dias Tóffoli. Fui crítico severo de sua indicação, o que não impediu de reconhecer as muitas vezes em que proferiu votos exemplares. E voltei a demonstrar meu desconforto agora, quando não se declarou impedido, o que acho que deveria, sim, ter feito.

Conversei com Marco Aurélio ao telefone umas três ou quatro vezes. Encontramo-nos uma única, num evento social. Em todas elas, uma prosa agradável, vivaz e inteligente. Sempre admirei o que parece ser a sua independência e certo espírito desafiador de falsos consensos. Ele sabe disso porque escrevi isso. As minhas críticas de agora estão relacionadas, especialmente, à sua loquacidade fora do tribunal. Não quero repisá-las porque estão em arquivo. Costumo dizer que não dou conselhos a gente mais rica e mais poderosa do que eu. E acrescentaria uma terceira restrição: também não aconselho os mais sábios. Em matéria de direito, ele é doutor, e eu não sou nem mesmo aprendiz. A minha opinião — não o meu conselho — é a de que não deve se confundir, ainda que o fizesse por excesso de rigor, com aqueles que pretendem fazer do STF uma caricatura de tribunal de exceção. Só isso! Ao ser judicioso sobre alguns colegas — ainda que pudessem estar errados —, acaba como aliado objetivo de quem não está dando a menor bola para as instituições da República. E isso, definitivamente, não está à sua altura e à altura de sua história no tribunal. POUCO IMPORTA, REITERO, QUAL SEJA O SEU VOTO.

Viva este Marco Aurélio!

Agora, sim, quero retomar o primeiro parágrafo. No dia 4 de maio de 2006, o ministro Marco Aurélio assumiu, pela segunda vez, o cargo de presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Fez um discurso primoroso (íntegra aqui). No exercício da Presidência da República, estava o senador Renan Calheiros (acho que Viajandão Inácio da Silva estava fora do país). Vejam que coisa: Márcio Thomaz Bastos, então ministro da Justiça e hoje advogado de um dos réus do mensalão, estava presente à posse. E ouviu do ministro as seguintes palavras. Leiam com atenção! Os destaques são meus.

Infelizmente, vivenciamos tempos muito estranhos, em que se tornou lugar-comum falar dos descalabros que, envolvendo a vida pública, infiltraram na população brasileira – composta, na maior parte, de gente ordeira e honesta – um misto de revolta, desprezo e até mesmo repugnância. São tantas e tão deslavadas as mentiras, tão grosseiras as justificativas, tão grande a falta de escrúpulos que já não se pode cogitar somente de uma crise de valores, senão de um fosso moral e ético que parece dividir o País em dois segmentos estanques – o da corrupção, seduzido pelo projeto de alcançar o poder de uma forma ilimitada e duradoura, e o da grande massa comandada que, apesar do mau exemplo, esforça-se para sobreviver e progredir.

Não há, nessas afirmações – que lamento ter de lançar -, exagero algum de retórica. Não passa dia sem depararmos com manchete de escândalos. Tornou-se quase banal a notícia de indiciamento de autoridades dos diversos escalões não só por um crime, mas por vários, incluindo o de formação de quadrilha, como por último consignado em denúncia do Procurador-Geral da República, Doutor Antônio Fernando Barros e Silva de Souza. A rotina de desfaçatez e indignidade parece não ter limites, levando os já conformados cidadãos brasileiros a uma apatia cada vez mais surpreendente, como se tudo fosse muito natural e devesse ser assim mesmo; como se todos os homens públicos, nas mais diferentes épocas, fossem e tivessem sido igualmente desonestos, numa mistura indistinta de escárnio e afronta, e o erro passado justificasse os erros presentes.

A repulsa dos que sabem o valor do trabalho árduo se transformou em indiferença e desdém, como acontece quando, por vergonha, alguém desiste de torcer pelo time do coração e resolve ignorar essa parte do cotidiano. É a tática do avestruz: enterrar a cabeça para deixar o vendaval passar. E seguimos como se nada estivesse acontecendo. Perplexos, percebemos, na simples comparação entre o discurso oficial e as notícias jornalísticas, que o Brasil se tornou um país do faz de conta. Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os culpados nada sabiam – o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mal houvessem feito. Faz de conta que não foram usadas as mais descaradas falcatruas para desviar milhões de reais, num prejuízo irreversível em país de tantos miseráveis. Faz de conta que tais tipos de abusos não continuam se reproduzindo à plena luz, num desafio cínico à supremacia da lei, cuja observação é tão necessária em momentos conturbados.

Se, por um lado, tal conduta preocupa, porquanto é de analfabetos políticos que se alimentam os autoritarismos, de outro surge insofismável a solidez das instituições nacionais. O Brasil, de forma definitiva e consistente, decidiu pelo Estado Democrático de Direito. Não paira dúvida sobre a permanência do regime democrático. Inexiste, em horizonte próximo ou remoto, a possibilidade de retrocesso ou desordem institucional. De maneira adulta, confrontamo-nos com uma crise ética sem precedentes e dela haveremos de sair melhores e mais fortes. Em Medicina, "crise" traduz o momento que define a evolução da doença para a cura ou para a morte. Que saiamos dessa com invencíveis anticorpos contra a corrupção, principalmente a dos valores morais, sem a qual nenhuma outra subsiste.

Nesse processo de convalescença e cicatrização, é inescusável apontar o papel do Judiciário, que não pode se furtar de assumir a parcela de responsabilidade nessa avalancha de delitos que sacode o País. Quem ousará discordar que a crença na impunidade é que fermenta o ímpeto transgressor, a ostensiva arrogância na hora de burlar todos os ordenamentos, inclusive os legais? Quem negará que a já lendária morosidade processual acentua a ganância daqueles que consideram não ter a lei braços para alcançar os autoproclamados donos do poder? Quem sobriamente apostará na punição exemplar dos responsáveis pela sordidez que enlameou gabinetes privados e administrativos, transformando-os em balcões de tenebrosas negociações?

Essa pecha de lentidão — que se transmuda em ineficiência — recai sobre o Judiciário injustamente, já que não lhe cabe outro procedimento senão fazer cumprir a lei, essa mesma lei que por vezes o engessa e desmoraliza, recusando-lhe os meios de proclamar a Justiça com efetividade, com o poder de persuasão devido. Pois bem, se aqueles que deveriam buscar o aperfeiçoamento dos mecanismos preferem ocultar-se por trás de negociatas, que o façam sem a falsa proteção do mandato. A República não suporta mais tanto desvio de conduta.

Àqueles que continuam zombando diante de tão simples obviedades, é bom lembrar que não são poucos os homens públicos brasileiros sérios, cuja honra não se afasta com o tilintar de moedas, com promessas de poder ou mesmo com retaliações, e que a imensa maioria dos servidores públicos abomina a falta de princípios dos inescrupulosos que pretendem vergar o Estado ao peso de ideologias espúrias, de mirabolantes projetos de poder. Aos que laboram em tamanhas tolices, nunca é demais frisar que se a ordem jurídica não aceita o desconhecimento da lei como escusa até do mais humilde dos cidadãos, muito menos há de admitir a desinformação dos fatos pelos agentes públicos, a brandirem a ignorância dos acontecimentos como tábua de salvação.

No que depender desta Presidência, o Judiciário compromete-se com redobrado desvelo na aplicação da lei. Não haverá contemporizações a pretexto de eventuais lacunas da lei, até porque, se omissa a legislação, cumpre ao magistrado interpretá-la à luz dos princípios do Direito, dos institutos de hermenêutica, atendendo aos anseios dos cidadãos, aos anseios da coletividade. Que ninguém se engane: não ocorrerá tergiversação capaz de turbar o real objetivo da lei, nem artifício conducente a legitimar a aparente vontade das urnas, se o pleito mostrar-se eivado de irregularidades. Esqueçam, por exemplo, a aprovação de contas com as famosas ressalvas. Passem ao largo das chicanas, dos jeitinhos, dos ardis possibilitados pelas entrelinhas dos diplomas legais. Repito: no que depender desta Cadeira, não haverá condescendência de qualquer ordem. Nenhum fim legitimará o meio condenável. A lei será aplicada com a maior austeridade possível – como, de resto, é o que deve ser. Bem se vê que os anticorpos de que já falei começam a produzir os efeitos almejados. Esta é a vontade esmagadora dos brasileiros.

No mais, é aguçar os sentidos, a coragem, é aumentar a dedicação, acurar a inteligência e desdobrar as horas e as forças, no intuito único de servir à aspiração geral por um pleito limpo, civilizado e justo. É o que o Brasil merece e espera. É o que solenemente prometo ao assumir esta Presidência.

Tudo foi dito ali, nas barbas do presidente em exercício — e acho que Marco Aurélio teria dito a mesma coisa ainda que presente o titular — e do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Marco Aurélio tem clareza de que o escândalo apelidado de mensalão era a expressão do "segmento da corrupção, seduzido pelo projeto de alcançar o poder de uma forma ilimitada e duradoura (...)"

O ministro lamenta a banalização da corrupção e se refere explicitamente à denúncia formulada pelo então procuragor-geral da República: "Tornou-se quase banal a notícia de indiciamento de autoridades dos diversos escalões não só por um crime, mas por vários, incluindo o de formação de quadrilha, como por último consignado em denúncia do Procurador-Geral da República, Doutor Antônio Fernando Barros e Silva de Souza". E tem consciência do papel que está reservado ao Poder Judiciário: "Nesse processo de convalescença e cicatrização, é inescusável apontar o papel do Judiciário, que não pode se furtar de assumir a parcela de responsabilidade nessa avalancha de delitos que sacode o País."

Convicções

Ao Marco Aurélio que pensa e age assim, o meu reconhecimento. Não quero aqui tomar o que vai acima como antecipação do seu voto, mas me parece que o ministro com as convicções de 2006 iluminará o ministro que vai votar em 2012. Afinal, sabe que os brasileiros abominam "a falta de princípios dos inescrupulosos que pretendem vergar o Estado ao peso de ideologias espúrias, de mirabolantes projetos de poder".

O que eu espero de Marco Aurélio — porque ele tem história que me autoriza a ter esta esperança — é a consideração de que o eventual uso do dinheiro do mensalão para cuidar de eleições (passadas ou, então, futuras) é um elemento que agrava a situação dos réus, não uma porta de saída para a impunidade. A ser assim, ao peculato, à lavagem de dinheiro, à corrupção ativa, à corrupção passiva, à formação de quadrilha, a isso tudo, juntou-se a descarada tentativa de fraudar o próprio processo democrático. Aqueles crimes foram instrumentos de um crime de lesa democracia.

Prefiro acreditar que o ministro de 2006 está presente no ministro de 2012, com os mesmos valores.

 

 

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