quarta-feira, 16 de março de 2016

Lula não poderá assumir

Lula não poderá assumir

cargo de Ministro segundo

Juiz Federal baseado em

julgamentos do STF

Foto: BBC

Na semana passada, o STF reiterou a tese remansosa e

iterativa, no sentido da impossibilidade de membros do

Ministério Público exercerem cargos no Poder Executivo, ao

julgar a nomeação do novo Ministro da Justiça, na ADPF

388.

Naquele caso, a derrota para o governo se desenhava como

uma tragédia anunciada. Isso porque todos os precedentes

da Corte convergiam no sentido de que o membro do

Ministério Público não pode se afastar de suas funções para

exercer cargo fora da estrutura do órgão, salvo o

Magistério. A orientação estava firmada nos seguintes

julgados: Adi 2.084/sp, rel. Min. Ilmar Galvão –Adi

2.836/RJ, rel. Min. Eros Grau – adi 3.298/ES, rel. Min.

Gilmar Mendes – adi 3.838-mc/DF, rel. Min. Carlos Britto

– Adi 3.839-mc/MT, rel. Min. Carlos Britto – ms 26.325-

mc/df, rel. Min. Gilmar Mendes.

A importância da análise de precedentes se dá pois há uma

função pedagógica nas decisões do Poder Judiciário: a

sinalização à sociedade, e para os que exercem o Poder, de

como se deve atuar prospectivamente. Nessa linha, os

juízes, quando decidem, visam a evitar conflitos futuros, e

ficam atentos aos efeitos colaterais de suas decisões, em

uma perspectiva consequencialista.

Com a análise da jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal, verifica-se que o governo parece determinado a

buscar mais duas derrotas, ambas em matéria de foro por

prerrogativa de função. São reveses que já podem ser de

antemão conhecidos.

A primeira tentativa vem da proposta de um projeto de lei

para dar foro privilegiado a ex-presidentes da República,

ventilada recentemente no Parlamento. A segunda é a

nomeação de uma ex-autoridade para ocupar o cargo de

ministro de Estado, com o inescondível objetivo de

obtenção do foro privilegiado.

Comecemos pelo primeiro ponto.

Há cerca de uma década, o STF interpretou a Constituição

no sentido de que o foro por prerrogativa de função só

pode existir durante o exercício do mandato. Assim, o Pleno

do STF, por 7 votos a 3, na ADIN 2797, entendeu

inconstitucional a lei 10.628/02, que estendeu para ex-

autoridades o foro privilegiado.

Entenderam os ministros que o fundamento a legitimar a

existência do foro diferenciado, é a proteção do cargo, ou

seja, do interesse público. E jamais da pessoa que o ocupa

temporariamente. Do contrário haveria a prevalência de um

interesse meramente privado.

Na ocasião, o relator das ações, ministro Sepúlveda

Pertence, asseverou que o Congresso praticou abuso do

poder de legislar, ao tentar restabelecer por lei o foro

especial de ex-autoridades, que o STF já tinha derrubado

em 1999.

Uma das razões à busca da extensão do foro para ex-

autoridades foi a notícia da prisão, à época, do ex-

presidente argentino Carlos Menem, por decisão do juiz

federal Jorge Urso, após o fim de seu mandato, em 2001.

Assim, a lei foi aprovada, e sancionada pelo ex-presidente

Fernando Henrique Cardoso, no apagar das luzes de seu

mandato.

Além da prisão do ex-presidente argentino, por um juiz de

primeiro grau, o STF tinha cancelado a súmula 394. Esta

dispunha que “cometido o crime durante o exercício

funcional, prevalece a competência especial por

prerrogativa de função ainda que o inquérito ou a ação

penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”

O verbete fora editado em 3/4/1964, não por acaso 2 dias

após a deflagração do golpe militar de 1964, em uma

quadra histórica superada com a Constituição Cidadã. Com

a nova ordem constitucional, o enunciado foi cancelado,

com o julgamento de questões de ordem entre os anos de

1999 e 2001 (Inq 687, (DJ de 9/11/2001), na AP 315 (DJ

de 31/10/2001), na AP 319 (DJ de 31/10/2001), no Inq

656 (DJ de 31/10/2001), no Inq 881 (DJ de 31/10/2001) e

na AP 313 (DJ de 12/11/1999)).

Naquele momento o Supremo Tribunal Federal deu o

recado de que, em uma República democrática, o foro só se

legitima em bases excepcionais. E nunca para fins de

favorecimento pessoal do inquilino que detém

momentaneamente o exercício do Poder, que pertence ao

povo.

Por essa razão, no mesmo julgado, e na mesma linha de

raciocínio, o STF entendeu inconstitucional o foro especial

nas ações por improbidade administrativa, com a mesma

interpretação restritiva para o instituto de excepcional

deslocamento da competência. Tal entendimento foi

reafirmado em precedentes como AI 556727 AgR/SP, Rel.

Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 20/03/2012,

DJe 26/04/2012; ARE 700359/SP, Rel. Min. Ricardo

Lewandowski, julgado em 06/08/2012, DJe 10/08/2012;

AC 3170/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em

29/06/2012, DJe 1º/08/2012; RE 664350/DF, Rel. Min. Luiz

Fux, julgado em 27/06/2012, DJe 02/08/2012; RE 540712

AgR-AgR/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em

27/11/2012, DJe 13/12/2012.

Voltando ao foro privilegiado, em matéria criminal, para ex-

autoridades, sempre houve tentativas de mitigar a

orientação estabelecida. Ocorre que, os Tribunais

Superiores repisaram, ao longo dos anos, de maneira

uníssona e remansosa o evidente: autoridades que se

aposentam, ou encerram o mandato, perdem a

prerrogativa de foro. Com esses julgados, parecia colocada

uma pá de cal sobre a polêmica. Como exemplos podem

ser citados a Pet 3421 AgR/MA, Rel. Min. Cezar Peluso,

Tribunal Pleno, julgado em 25/06/2009, DJe 04/06/2010,

HC 106871/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma,

julgado em 27/03/2012, DJe 11/04/2012; Rcl 4213/ES,

Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 08/08/2012, DJe

15/08/2012, Rcl 8.055/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte

Especial, julgado em 1º/08/2012, DJe 09/08/2012 e AgRg

no AREsp 111.378/SP, Rel. Min. Herman Benjamin,

Segunda Turma, julgado em 06/09/2012, DJe

24/09/2012).

Com a Lava Jato, o pêndulo da História oscila novamente

para reações ao trabalho desempenhado em primeira

instância, pelas instituições envolvidas.

Esse não é o único diploma legislativo com o escopo reativo

de tentar barrar o trabalho dos órgãos de persecução

criminal. Pode ser citada também, entre outras, a medida

provisória 703/2010, referente aos acordos de leniência.

Na Itália, a operação Mãos Limpas, também gerou reações

legislativas retrógadas, como demonstrado no artigo “Mãos

Limpas” (Matias Spektor, Folha de São Paulo, 10/03/2016).

Com efeito, após a bem-sucedida operação, Berlusconi, e

Matteo Renzi, deram o troco: aprovaram leis para solapar a

autonomia do Poder Judiciário e do Ministério Público.

Ainda, conseguiram descriminalizar o caixa dois.

Como já se sabe que o projeto de lei é inconstitucional e

natimorto, porquanto não se pode cogitar do foro

privilegiado a antigas autoridades, almeja-se agora nomear

o ex-presidente Lula, alvo de investigações, como ministro.

O propósito é tão somente lhe garantir o foro por

prerrogativa da função que passaria a exercer. Ocorre que,

a Suprema Corte, também tem precedentes que indicam

com segurança a inadmissibilidade da manobra para fins de

deslocamento do órgão julgador.

A hipótese da nomeação só para buscar a competência da

Suprema Corte não encontra precedentes na nossa

História. Mas já há julgados sobre duas situações inversas,

porém idênticas se observada a finalidade pretendida.

Naqueles dois casos, houve a renúncia de dois

parlamentares para escapar de uma condenação definitiva,

e a pena privativa da liberdade dela decorrente.

A motivação visou a uma fraude processual. Por isso, se

deu com desvio de finalidade. O Presidente da República

detém a competência outorgada, que é administrar e gerir

o bem público. O limite é o respeito à sua finalidade: o

atendimento aos anseios da coletividade representada.

Assim como não se pode desapropriar o imóvel de um

inimigo, imbuído do mero espírito mesquinho de inimizade,

não é possível nomear um ministro para fins de

afastamento do juiz competente. Aquele que tem o poder-

dever de analisar um caso concreto. Entendimento

contrário feriria de morte a independência do Poder

Judiciário. Nessa linha, o desembargador Vladmir Passos de

Freitas, em artigo publicado no CONJUR, em 13/03/2016,

intitulado “nomeação para dar foro privilegiado a réu é ato

administrativo nulo” assevera com precisão o desvio de

finalidade. A posição deste artigo vai ao encontro de dois

precedentes recentes do guardião da Constituição.

No primeiro caso, o Pleno do STF, começou o julgamento

do então deputado Júlio Cezar Gomes dos Santos. Um

ministro pediu vista dos autos e, imediatamente, o

parlamentar renunciou. O propósito era que o processo

fosse encaminhado ao primeiro grau. Apesar disso, a Corte

entendeu a renúncia ineficaz pois “uma vez iniciado o

julgamento do Parlamentar nesta Suprema Corte, a

superveniência do término do mandato eletivo não desloca

a competência para outra instância” (Inq 2295, r. Min

Menezes Direito, j. 23 /10 /2008).

A censura do Pretório Excelso se deu pois o objetivo

inescondível do ato era o de retirar os juízes naturais do

seu processo. Ou seja, o ato de renúncia foi praticado com

atalhamento constitucional, para impedir ou dificultar a

legítima persecução penal do Estado. Aceitar esse motivo

para modificar o juízo seria enfraquecer a força normativa

da Constituição, ao transformar o processo em um terreno

de astúcias e conveniências.

No segundo caso, imbuído do mesmo espírito

inconstitucional, o Deputado Federal Natan Donadon – que,

nesse processo, viria a se tornar o primeiro parlamentar

preso no exercício do mandato, desde a redemocratização –

tinha renunciado ao mandato um dia antes da data de seu

julgamento.

O STF entendeu que houve abuso de direito e fraude

processual, pois a renúncia visava, novamente, a retirar os

juízes naturais de seu processo, conforme a divisão

constitucional estabelecida de competências. Aceitar a

modificação pretendida, dos magistrados a analisarem o

caso, teria o condão de enfraquecer o princípio da

supremacia da Constituição.

Nesse eito, a razão de decidir foi de que o ato de renúncia

só é legítimo, se não tiver a finalidade desviada. Ao revés,

há nulidade se a renúncia for manejada com o fim de

impedir ou atrasar um julgamento, ou uma ordem restritiva

da liberdade. A ementa do julgado estatuiu que “(…)

Renúncia de mandato: ato legítimo. Não se presta, porém,

a ser utilizada como subterfúgio para deslocamento de

competências constitucionalmente definidas, que não

podem ser objeto de escolha pessoal. Impossibilidade de

ser aproveitada como expediente para impedir o

julgamento em tempo à absolvição ou à condenação e,

neste caso, à definição de penas. 2. No caso, a renúncia do

mandato foi apresentada à Casa Legislativa em 27 de

outubro de 2010, véspera do julgamento da presente ação

penal pelo Plenário do Supremo Tribunal: pretensões

nitidamente incompatíveis com os princípios e as regras

constitucionais porque exclui a aplicação da regra de

competência deste Supremo Tribunal. (…) STF. Plenário. AP

396/RO, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 28/10/2010.”

Agora, o pêndulo do jogo político oscila para a possível

nomeação do ex-presidente Lula, para o cargo de ministro

de Estado, com a finalidade de não ser julgado pelo juiz

natural da demanda. Ocorre que, a Constituição existe

justamente para limitar o político pelo jurídico; em outras

palavras, permitir apenas o exercício do Poder desde que

constitucionalmente adequado e amparado.

Por isso, como a investigação já foi iniciada, e a assunção

de um Ministério dar-se-ia tão somente para escapar do

juiz de primeira instância, em uma fraude processual

evidente, tal como se deu nos dois precedentes citados.

Em suma, se mantidos os fundamentos que inspiraram os

julgados retratados acima, verifica-se que, tanto o projeto

de lei, para a atribuição de foro a ex-presidentes, quanto a

pretendida nomeação de ex-presidente, para o cargo de

Ministro, não serão aptos a gerar o foro privilegiado. Como

no caso julgado semana passada, o epílogo já é de

antemão conhecido.

Por Ilan Presser - Juiz federal na Turma Recursal de

Belém do Pará e professor de Direito Ambiental no curso

preparatório Ênfase / blog JOTA - UOL

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