sábado, 6 de junho de 2015

Parece brincadeira, mas é verdade


06/06/2015 10h15 - Atualizado em 06/06/2015 12h09

Escola infantil faz campeonato com armas de brinquedo e causa polêmica

Intuito é promover as modalidades menos conhecidas em Araraquara, SP.
Lei estadual proíbe fabricação e comercialização de armas de brinquedo.

Orlando Duarte NetoDo G1 São Carlos e Araraquara

Escola quer promover campeonato de tiro ao alvo com pais e alunos em Araraquara (Foto: Reprodução/Facebook)Escola promove campeonato de tiro ao alvo
com pais e alunos (Foto: Reprodução/Facebook)

Um campeonato de tiro ao alvo com armas de brinquedo em uma escola infantil está causando polêmica em Araraquara (SP). De acordo com a Escolinha Infantil Pernalonga, que atende crianças de até 5 anos, o evento neste sábado (6) será realizado porque teve a autorização dos pais e busca, além de outros objetivos, promover modalidades esportivas olímpicas – como o tiro – menos conhecidas no país.

No entanto, especialistas afirmam que a união de armas e competições pode ter um efeito negativo. Além disso, a fabricação e comercialização de todos os tipos de armas de brinquedo foram proibidas por lei no Estado de São Paulo em janeiro do ano passado.

Segundo o consultor pedagógico do colégio, Divino Leitão, a escola realiza o 'Refúgio Infantil' aos sábados e durante as férias, como forma de receber ex-alunos e pais, além das crianças que estudam na escola, em uma forma de recreação. "Tentamos trazer atividades variadas e bem diferentes para essas crianças e os pais. Já tivemos cursos de fotografia, treinamento de incêndio e esportes. Dessa vez, estamos tentando mostrar algumas competições esportivas menos famosas no Brasil, como o críquete, o badminton e o tiro, que é uma modalidade olímpica. De qualquer forma, não é um campeonato de tiro entre crianças, é para pais e alunos. Se isso fosse realmente proibido, a escola seria a primeira a não querer realizar algo assim", comentou.

Se você afastar um menino da arma e ele nunca tiver contato, pode ser que vá se machucar no caso de encontrar uma"
Divino Leitão, consultor pedagógico

Leitão afirma que, apesar da brincadeira, a escola não incentiva o uso de armas. "Não permitimos que tragam armas de brinquedo para a escola. Mesmo assim, quando colocamos os menores para brincar com Lego, por exemplo, a primeira coisa que montam é um revólver. Já existe essa tendência, mas a criança precisa entender o que é um revólver ou uma arma de fogo. Você só ensina a partir desse conhecimento, posso ensinar para as crianças que isso não é um brinquedo como os outros, que pode machucar. Se você afastar um menino da arma e ele nunca tiver contato, pode ser que vá se machucar no caso de encontrar uma em algum lugar. É preciso mostrar do que se trata. Sou técnico em segurança e fiz parte do exército, não utilizo armas e não sou favorável ao uso, mas acho a conscientização necessária", alegou.

Polêmica
Sobre a polêmica envolvendo a brincadeira, o consultor explica que isso se deve ao fato de que as armas de brinquedo foram proibidas no Estado. No entanto, uma loja conseguiu uma liminar para vender alguns itens.

"As armas que vamos usar são coloridas e não tentam simular uma arma de fogo integralmente. Está na cara que são brinquedos. Acredito que isso não seja um incentivo à violência, mas claro que existem dois lados para uma mesma questão e respeitamos as pessoas preocupadas. Vamos realizar um campeonato para 40 pessoas, mas haverá prevenção e vamos utilizar equipamentos de segurança, mesmo que as armas sejam inofensivas. São feitas de plástico e os dardos que atiram são de espuma. O fabricante Hasbro é mundialmente conhecido e esse brinquedo foi aprovado por agências regulamentadoras do Brasil. Se foi aprovado, não traz nenhum mal e não vai machucar as pessoas", disse.

Armas de brinquedo não poderão ser mais comercializadas (Foto: Reprodução/TV Diário)Competição de tiro com armas de brinquedo
gerou polêmica (Foto: Reprodução/TV Diário)

Divino Leitão contou que a escola não pretende cancelar a atividade após a polêmica, já que os próprios pais de alunos aprovaram a brincadeira por unanimidade em uma reunião.

"Apenas uma mãe não gostou, e mesmo assim ela aprovou. Ela disse que o filho dela não iria participar, mas não queria estragar a diversão dos outros. Sugiro que as pessoas que acham a questão polêmica não participem, mas não atrapalhem, pois é uma brincadeira saudável. É uma forma de conscientizar, como nos jogos de paintball. As pessoas que praticam o paintball não saem por aí atirando nos outros, são até mais conscientes em relação às armas em alguns casos".

O campeonato será realizado com o apoio das lojas PBKids Brinquedos do município e terá premiações variadas para os vencedores e participantes, que devem contribuir com latas de óleo que serão destinadas a instituições beneficentes. Sobre os planos para o evento, Leitão aponta que a escola pretende continuar ensinando novas modalidades. "Pretendemos colocar lutas, claro que não vamos fazer as crianças lutarem artes marciais mistas (MMA), mas algo como judô e capoeira", finalizou.

Efeitos negativos
Para a socióloga e doutoranda em educação Érika Tonelli, a atividade pode ser negativa em alguns casos. "Em crianças com traços agressivos ou tendências para desenvolver transtornos de personalidade futuros, essas brincadeiras podem ser negativas, já que estarão incentivando essas características. Além disso, para as outras crianças, pode acabar normalizando uma cultura que a gente vem tentando combater", falou.

Mesmo sendo uma
brincadeira, estamos ensinando como devem agir ou não"
Érika Tonelli, socióloga

Segundo Érika, brincadeiras com armas podem incentivar um comportamento que não deve ser reproduzido. "Mesmo sendo uma brincadeira, estamos ensinando como devem agir ou não. Quando introduzimos uma arma no meio, acabamos incorporando o armamento na questão lúdica, e isso vai começar a fazer parte do contexto da criança", contou.

A socióloga também conta que a atividade não deveria ser realizada por uma escola. "Na minha opinião, a escola não deveria fazer isso, porque um colégio deve, em tese, mostrar outro universo para os alunos. No caso da criança, o ideal seria fazer campanhas de desarmamento, e não incentivar o uso. Muitas escolas fazem campanhas e atividades para estimular e conscientizar no sentido de desarmar a população, começando pelos brinquedos. Acho que poderia ser feito algo na linha de uma competição de quem arrecada mais armas para entregar", justificou.

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Lei estadual proíbe a fabricação e venda de armas de brinquedos, a partir de março (Foto: Cláudio Nascimento/ TV TEM)Lei estadual proíbe a fabricação e venda de armas
de brinquedo (Foto: Cláudio Nascimento/TV TEM)

Érika também aponta que, por estarem inseridas em uma competição, as armas podem ter um efeito negativo na brincadeira. "Quando você atrela competições e armamento, não é muito positivo para as crianças. A competitividade por si já nos torna agressivos, se inserirmos uma arma nesse contexto, piora o quadro", comentou.

Lei Estadual
Em 16 de março de 2014, a fabricação e a comercialização de todos os tipos de armas de brinquedo foram proibidas no Estado de São Paulo.

Em entrevista ao G1 em 12 de março do mesmo ano, o delegado assistente da Seccional de São Carlos (SP), Geraldo Souza Filho, afirmou que a medida seria uma forma de diminuir a criminalidade. "A nova lei vai dificultar a comercialização dessas armas e, com isso, impedir que o marginal use simulacros de armas de fogo para praticar crimes", explicou na ocasião.

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