sexta-feira, 26 de junho de 2015

O Fim do Inquérito Policial

Vejo com muita alegria esse transbordar de vontades no sentido de reformar a polícia. Que tal direcionarmos toda essa energia e coragem cívicas para o verdadeiro ponto de partida dessa reforma?: O FIM DO INQUÉRITO POLICIAL, esse verdadeiro câncer da segurança pública brasileira, manifestação de uma rebuscada e caríssima burocracia bacharelesca que só existe no Brasil. Uma burocracia que, em São Paulo, não consegue investigar nem 3% dos furtos, nem 5% dos roubos e nem 8% dos homicídios (apesar da quantidade enorme de prisões em flagrante delito). Essa ineficiência, maior causa da certeza da impunidade, é um incentivo – talvez o maior – ao crime. Só para se ter uma ideia da ineficiência de nossa (caríssima) investigação, enquanto que no Brasil apenas 8% dos homicídios são esclarecidos, Na Inglaterra a taxa é de 90%, na França, de 80%, e nos Estados Unidos é de 65%.
A atividade de investigação deveria ser– como no resto do mundo – apenas uma das especializações da polícia (E NÃO UMA CARÍSSIMA E INEFICIENTE ORGANIZAÇÃO). Mas uma especialização desempenhada com agilidade e eficácia, de forma a eliminar a sensação de impunidade.
Mas por que começar pelo fim do inquérito? Porque tornar a atividade de investigação uma especialização da polícia vai influir na arquitetura do novo modelo. Qualquer tentativa de se redesenhar a polícia sem levar em conta o fim do inquérito policial fará com que o novo desenho não passe de um exercício artístico e estético de se criar organogramas disfuncionais, além do que, permitirá que o inquérito acabe por contaminar – pelos motivos que todos conhecemos – a nova organização policial.
Mas, cadê coragem para mexer no vespeiro? Parece que é mais fácil eleger a polícia ostensiva como o bode expiatório e parte mais fácil de se mexer, apesar de ela ser responsável, apenas em São Paulo, pelo atendimento de 160.000 pedidos de auxílio por dia (em nove meses, o equivalente a toda a população do estado pede auxílio à sua Polícia Militar);pela prisão de 183. 952 delinquentes (2013); e por 2.506.664 atendimentos sociais (2013).
 
A palavra inglesa “enforcement” é comumente traduzida por policiais de todo o mundo – e também por estudiosos de polícia, nas universidades - como “aplicação da lei”, e é também, por eles, apontada como função natural das organizações policiais. Portanto, os oficiais de polícia – as autoridades públicas investidas na função de policiais - têm como missão a aplicação da lei. Essa é uma verdade universalmente aceita, facilmente compreendida, independente do país e do idioma que se fala.
Difícil, por outro lado, é um brasileiro fazê-los entender o que é inquérito policial e o conceito de autoridade policial atribuído ao delegado de polícia, como se utiliza por aqui, devido à interpretação “bacharelesca” que se pretende dar, em nosso país – e, ao que parece, só aqui -, à autoridade de polícia. De tão esdrúxula essa interpretação, ela sequer cabe na lógica do raciocínio dos policiais e especialistas em polícia estrangeiros, tornando, para eles, muito difícil entender a estrutura policial brasileira. Na cabeça deles, os policiais (todos) são autoridades públicas encarregadas da aplicação da lei (enforcement), quer prevenindo ou reprimindo ostensivamente, quer investigando crimes, o que se constitui no ciclo completo de polícia, onde a investigação criminal é uma das especializações, executada com rapidez e objetividade.
Um grande problema, no Brasil, quando se discute o sistema de segurança pública, é que sempre se parte de premissas fundadas na visão “bacharelesca” de autoridade policial, como se essa fosse uma verdade universal e imutável. E não é. No mundo inteiro não é assim.
Voltando à questão do policial como autoridade pública encarregada da aplicação da lei, lembramos que o policial de rua, ao deparar-se com um fato, é a primeira autoridade a analisá-lo para decidir se trata-se de um crime, iniciando aí imediatamente os atos de persecução penal, ou se não se trata de crime, liberando as partes. De qualquer forma, desempenhando essas atividades, ele exerce, verdadeiramente, funções essenciais à justiça. Não se trata apenas do direito embasando a atividade policial, mas o fato de que a atividade policial é, verdadeiramente, o ordenamento jurídico colocado na prática.
Que os agentes políticos, sejam administradores, legisladores ou magistrados, tenham suficiente lucidez, competência e vontade política para solucionarem, dentro das respectivas áreas de atuação, as causas da violência, sejam as bem conhecidas causas sociais, sejam as decorrentes da impunidade, e invistam na valorização do policial profissional, se é que querem realmente fazer alguma coisa séria e coerente para o combate à criminalidade.
E que tenham disposição e coragem para enxergar o que no resto do mundo vem dando certo, por que por aqui, a dispendiosa estrutura burocrática bacharelesca da polícia judiciária não tem conseguido investigar nem três por cento das ocorrências de roubo, apenas para citar um exemplo de sua histórica ineficiência.
CA
 
 


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