sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O bom senso deve prevalecer

Artigo
O bom senso deve prevalecer

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem defendido a criação do requisito da Repercussão Geral para que os Recursos Especiais cheguem àquele Tribunal. Este requisito já existe em relação aos Recursos Extraordinários, endereçados ao Supremo Tribunal Federal (STF), "que analisa se a relevância do recurso ultrapassa somente aquela causa, se há interesse geral da sociedade, seja por razões políticas, econômicas, sociais ou jurídicas", explica o advogado Gustavo Russignoli Bugalho, integrante da Advocacia Sandoval Filho.



No STF, no entanto, muitos recursos que deveriam ser analisados estão deixando de chegar à Suprema Corte porque até hoje não se sabe exatamente como se aplica a Repercussão Geral. "O que eu proponho é que, caso aprovada a Repercussão Geral aos recursos endereçados ao Superior Tribunal de Justiça, haja bom senso para que questões relevantes não deixem de ser analisadas", afirma Gustavo Bugalho.

Sobre este assunto, o advogado escreveu artigo, publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico. Veja a publicação aqui. Abaixo, confira a íntegra do artigo.

Repercussão Geral no Tribunal da Cidadania: uma linha tênue entre a garantia de celeridade e a injustiça a tempo incerto?

Recentemente, em razão de declarações proferidas por ministro do Superior Tribunal de Justiça, a mídia passou a comentar a proposta de emenda constitucional elaborada por aquele Tribunal, na qual se pretende inserir o instituto de Repercussão Geral para a subida de Recursos Especiais.

Apenas para refrescar a memória, o instituto da Repercussão Geral adentrou a ordem constitucional com o advento da Emenda Constitucional 45/2004, que acrescentou o parágrafo segundo ao artigo 102 da Constituição Federal, dispondo:

§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros."

Nos anos seguintes, os doutrinadores constitucionalistas, ministros, magistrados e processualistas discutiram arduamente o instituto, até que se chegou ao senso comum – ainda não tão comum – de que, para que seja demonstrada a repercussão geral do tema, seria necessário que ficasse cristalino o caráter de relevância jurídica, política, social ou econômica da matéria abordada no referido Recurso Extraordinário.

A intenção dessa "inovação" – ao menos para o atual ordenamento constitucional brasileiro – era fazer com que houvesse uma diminuição do número de processos encaminhados à Suprema Corte, de maneira que esta passasse a analisar temas de relevância para a sociedade, atuando como efetiva Corte de Guarida Constitucional, evitando-se, assim, o acúmulo de pequenas questões cuja constitucionalidade fosse suscitada apenas para garantir à parte a possibilidade de mais uma tentativa de demonstrar sua razão nos autos – ainda que não a tivesse.

Para a recusa do caráter de Repercussão Geral de determinado caso, no Supremo Tribunal Federal, é necessário que haja manifestação, neste sentido, por parte de pelo menos dois terços dos ministros. Buscou-se, desta maneira, garantir que haja efetiva observância do princípio da ampla jurisdição, do devido processo legal, mas, ao mesmo tempo, da razoável duração do processo.

O resultado prático foi que, de fato, diminuíram os Recursos Extraordinários versados em questões de menor valor social, político ou econômico a serem analisados pelo Supremo Tribunal Federal. Por outro lado, aumentou, em centenas de vezes, o número de processos sobrestados nos Tribunais de Justiça durante meses, às vezes anos – vide o exemplo do Tema de Repercussão Geral nº 24, sobre o Adicional por Tempo de Serviço, que foi escolhido para a análise da aplicação do instituto em 2008 e até o momento não teve seu desfecho –, à espera do resultado na Corte Suprema. Da mesma maneira, há outros diversos "cases" ligados aos interesses de servidores públicos, que se veem, constantemente, preteridos em seus direitos remuneratórios, geralmente aos milhares. São "cases" que se encontram parados ou obstados de subida, e, ainda que seja visível o interesse econômico e político das questões, não têm qualquer perspectiva de deslinde.

Tudo isso é agravado pela prática das Procuradorias das Fazendas Públicas que, tendo conhecimento da demora na análise de tais questões, rotineiramente interpõem recursos repetitivos, de maneira a segurar mais alguns anos o efetivo cumprimento do ordenamento constitucional em relação a esses servidores que, muitas vezes, já aposentados, não conseguem em vida se beneficiar daquilo que lhes era de direito.

Este breve panorama foi traçado para demonstrar uma preocupação específica do autor com a eventual aprovação da Repercussão Geral, em sede de Emenda Constitucional, também em relação aos Recursos interpostos ao Tribunal da Cidadania.

Acredita-se, sim, que é legítima a preocupação dos ilustres Ministros do Superior Tribunal de Justiça que, muitas vezes, se veem obrigados a proferir decisões em casos absurdos que envergonhariam até mesmo alguns apresentadores de talk shows televisivos de gosto duvidoso.

De fato, o Tribunal da Cidadania não deve ser rebaixado à condição de penicilina jurídica para as mais insignificantes questões, mas, há que se tomar cuidado na elaboração e na aplicação deste instituto vindouro, de maneira que não se permita que o Tribunal da Cidadania se transforme em um Tribunal da Fantasia.

Deve-se lembrar que o Superior Tribunal de Justiça, longe de ser um Tribunal de menor importância, não foi criado para desfilar com sandálias jurídicas de cristal, e, desta maneira, não pode pretender, num futuro próximo, virar suas atenções exclusivamente aos mídia cases, que têm sido, em outros Tribunais Superiores, acompanhados com camarins de popstar.

Por isso, a razão fundamental deste texto é trazer um questionamento ao leitor para que se pondere ao fato de que, ao mesmo tempo em que se demonstra imprescindível a formação de critérios mais rígidos para subida de Recursos Especiais para o Superior Tribunal de Justiça, deve-se pautar pela parcimônia, sob pena de – como ouvimos durante toda nossa infância nas cidades do interior – "o remendo sair pior do que o rasgado."

Gustavo Russignoli Bugalho é advogado na Advocacia Sandoval Filho, em São Paulo; Especialista em Direito Constitucional pelo CEU/IICS; Autor dos livros "Direito Eleitoral", "Improbidade Administrativa" pela editora JHMizuno. Atualizador e revisor de obras preparatórias para concursos públicos. Professor de Direito Público em Cursos Preparatórios para Concursos Públicos e Palestrante.



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