Carlos Newton
Desde que o jornalista Augusto Nunes lançou a primeira denúncia sobre as
argumentações fraudulentas do ministro Luís Roberto Barroso, que
influenciaram equivocadamente os votos de outros ministros no
importantíssimo julgamento do rito do impeachment, a Tribuna da
Internet está dedicada ao assunto e vem apontando outros inacreditáveis
erros judiciários cometidos nas sessões dos dias 16, 17 e 18 de dezembro.
É certo que o ministro Barroso, ao se arvorar em revisor do parecer de
Edson Fachin, omitiu informações importantes, distorceu outras e até
falseou a verdade dos fatos. Ao que parece, ainda prefere atuar mais
como advogado do que como ministro do Supremo, com direito a
envergar a tradicional toga negra, uma espécie de manto sagrado da
Justiça brasileira.
Como se sabe, advogados fazem de tudo para vencer a causa, costumam
até trafegar na fronteira da chicana e da litigância de má fé, isso faz parte
do métier, digamos assim. Há advogados que são verdadeiros artistas, até
choram na tribuna. Mas os magistrados não podem adotar práticas
idênticas. Têm de ser sóbrios, sempre se atendo apenas aos fatos e às leis,
jamais podem extrapolar, nem mesmo quando há pressão e clamor
público.
Barroso procedeu mal. Como diz Augusto Nunes, praticou vigarice, não há
mais dúvida sobre isso. Mas o presidente do STF, Ricardo Lewandowski,
não ficou atrás e conseguiu cometer um erro judiciário ainda mais grave
do que os cometidos por Barroso.
JULGAMENTO DAS LIMINARES
Conforme o jurista Jorge Béja já esclareceu diversas vezes aqui na Tribuna
da Internet, a sessão do dia 16 dezembro, que se prolongaria até o dia 18,
foi convocada para julgar se deveriam ser mantidas as liminares acolhidas
pelo relator Edson Fachin, que paralisaram no Congresso o andamento do
impeachment da presidente Dilma Rousseff.
A ação apresentada pelo PCdoB, que conseguiu as liminares, é uma
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), regulada
pela Lei Federal 9882, de 1999, cujas normas foram cumpridas fielmente
pelo relator Fachin, que concedeu as liminares, deu prazo de 5 dias para
as partes se manifestarem, preparou seu parecer, distribuiu cópias a todos
os ministros e convocou a sessão para confirmar ou rejeitar as liminares,
tudo isso na forma da lei.
A sessão foi realizada, transcorreu nos dias 16 e 17, teve resultado
favorável aos interesses da presidente Dilma Rousseff, e no dia 18 o
Supremo voltou a se reunir, para redigir a Ata. Ao final, o presidente
Lewandowski introduziu a declaração de que, por unanimidade, estando
ausente o ministro Gilmar Mendes, o plenário decidiu transformar o
julgamento preliminar em julgamento definitivo do mérito da questão.
SURGE EM CENA O DR. BÉJA
Lewandowsky jamais poderia imaginar que sua manobra ardilosa e ilegal
pudesse vir a ser denunciada. Não contava que um jurista do porte do Dr.
Jorge Béja se interessasse pelo assunto, estudasse o processo inteiro,
assistisse pela TV a gravação das três sessões e fizesse a análise da decisão
de Lewandowski à luz da Lei 9882/99. Ninguém se deu a este trabalho
exaustivo, apenas o Dr. Béja, que então escreveu um artigo na Tribuna da
Internet denunciando o procedimento de Lewandowski.
Com precisão cirúrgica, Béja mostrou que esta Lei determina que, depois
julgadas as liminares, o relator então concede prazo de dez dias para as
partes se manifestarem, prepara novo parecer e então convoca a sessão
definitiva, para julgar o mérito da questão. Mas o presidente do Supremo
preferiu dar uma "pedalada" e desconhecer a existência da Lei 9882/99,
para dar por encerrada a questão e atender aos anseios da presidente da
República.
Béja não somente revelou o erro judiciário, como também está redigindo
um Mandado de Segurança para apresentar ao Supremo, assim que for
publicado o acórdão, Assim, na primeira semana de março, quando o
tribunal voltar a se reunir, os ministros vão se entreolhar, envergonhados,
ao tomarem conhecimento de que foram partícipes do maior escândalo
da História da Justiça brasileira, por terem dado ao presidente
Lewandowski autorização expressa para descumprir a Lei 9882/02 e
sepultar o julgamento do mérito desta importantíssima questão judicial.
HÁ TRÊS HIPÓTESES
Vamos apontar as três hipóteses sobre o comportamento dos outros
ministros:
1) Os nove ministros (Gilmar Mendes não compareceu) agiram
inadvertidamente, foram iludidos por Lewandowski, que não atuou como
magistrado, mas como advogado de defesa da presidente Dilma Rousseff.
2) O plenário da mais alta corte de Justiça do país agiu propositadamente
e compactuou com Lewandowski para que transformasse a sessão
preliminar em "julgamento do mérito".
3) Lewandowski tomou essa decisão sozinho, mandando inserir na Ata que
os ministros do Supremo, por "unanimidade", decidiram transformar a
sessão preliminar em julgamento do mérito.
Qualquer uma das hipóteses é nauseabunda e mostra que o Supremo é
hoje uma pálida lembrança de seu passado de gloriosa tradição jurídica e
ética. Mas acredito que tenha ocorrido a opção 3, para que não tenhamos
de nos mudar todos para um país mais sério, como Paraguai ou Bolívia.
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