A TOMADA DE CUMBICA
Era uma tarde quente de sábado, de março de mil novecentos e sessenta e
seis, quando tocaram a campainha de casa.
À porta, estava o capitão Jonas Simões Machado, também morador na
Penha, comandante da CPTM, uma companhia do "DOIS DE OUROS", que
atuava enquadrada em apoio às Companhias de policiamento de área.
_ "Ralph, o Comandante Geral quer falar com você, agora".
_ "Um momento que eu vou por a farda".
_ Sem farda – respondeu-me o capitão - .Ele está nos esperando na ponte
A caminho, quando lhe perguntei do que se trata, respondeu-me:
_ É um assunto sobre a Base Aérea, que ele vai lhe explicar. Ele havia
falado comigo, pois queria que eu empregasse a CPTM, mas eu lhe disse que
quem conhecia bem o lugar era você.
Avistei o General João Franco Pontes na ponte de Cumbica, sobre a Via
Dutra: era uma figura esguia, austera, que sem ser sisudo, não nos fazia
imaginá-lo dando uma boa gargalhada; um meio sorriso, talvez. Mas era uma
_ Tenente, o capitão disse que você conhece tudo por aqui. Você conhece
bem a Base Aérea?
_ Razoavelmente, meu comandante.
_ O Governador Ademar foi destratado pelo pessoal da Aeronáutica e
conta com a Força Pública para desagravá-lo. Você acha que poderia tomar a
_Comandante, eu acredito que seja possível fazê-lo. Mas necessito de uns
dias para dar-lhe uma resposta mais precisa.
Tudo bem. Este assunto ficará somente entre nós dois. Nem ao seu
comandante você deverá se reportar.
Embora eu não acreditasse muito que a ordem para tomar a Base Aérea,
me fosse dada, não poderia decepcionar o General, que não podia pro em
dúvida a confiança do Governador na Corporação, além do mais nós
estávamos em débito com ele, pois que havia autorizado a construção do
quartel do 2° Batalhão na Vila Esperança, desapropriando o terreno que nós
havíamos indicado. Nosso Quartel ficava, até então, na Vergueiro, fora de
nossa área de policiamento.
Já na segunda feira, pela manhã, acompanhado do Aspirante a Oficial de
minha Companhia, a bordo do meu possante fusquinha, toquei para Cumbica
percorrendo a sua lateral por caminhos de terra, chegando até próximo à
cabeceira da pista.
Naquele tempo, não havia o Aeroporto Franco Montoro e nem as
inúmeras vilas que o cercam. Toda a Base Aérea ficava no meio de um grande
descampado, onde a garotada ia empinar papagaio, ou bater bola e os
marmanjos armavam seus alçapões na esperança de apanhar alguma coleirinha
Pouco fomos notados pelos sentinelas, pois estavam acostumados com a
presença de carros nas proximidades onde "corretores", volta e meia,
apareciam para tentar empurrar um "belo terreno" para algum cliente
Assim pudemos observar tranquilamente o sistema de rendição da
guarda: um cabo num jipão, percorrendo as laterais da pista, ia fazendo a
substituição das sentinelas, guarita por guarita, até a última e retornava pelo
mesmo caminho até o Corpo da Guarda.
Como ainda não estávamos no período do terrorismo, a segurança da
Base não havia sido reforçada. A partir das seis da tarde de sexta feira era uma
debandada geral: só ficavam no quartel o pessoal de serviço, os presos ou
detidos e alguns poucos deserdados, que não tinham para onde ir.
Em linhas gerais, pretendia atacar na madrugada de sábado para
domingo, com um pequeno grupo a paisana, como se fosse um bando de
subversivos, aguardando o jipão da rendição na última guarita, prendendo os
soldados que haviam sido rendidos, vestir meus homens com a farda deles e
retornar tomando guarita por guarita até o Corpo da Guarda e depois as
demais repartições e serviços, entregando, pela manhã, a Base para a tropa
designada pelo Comando Geral para ocupá-la.
À tarde fui ao gabinete do Comandante Geral e lhe expus um esboço
_ "General, acredito ser possível tomar a Base, sem grandes
complicações, agora, o que se fazer com ela depois, creio que já não seja
problema meu. Para isso eu vou precisar de uns quarenta homens de minha
confiança, transporte, rádios e alguns outros meios".
O General Franco Pontes disse-me que a idéia não era manter a posse da
Base, mas apenas fazer uma demonstração de força, que informar o
Governador e voltaria a me chamar.
Dois dias depois fui chamado e informado que o Governador agradecia
nosso empenho, mas havia aceitado as desculpas da Aeronáutica, não sendo
preciso mais a nossa intervenção.
Pouco tempo depois o "velho Ademar" era cassado e a Tomada de
Cumbica foi mais uma daquelas aventuras que quase aconteceram no meu
tempo de Força Pública.
Ralph Rosário Solimeo
Era uma tarde quente de sábado, de março de mil novecentos e sessenta e
seis, quando tocaram a campainha de casa.
À porta, estava o capitão Jonas Simões Machado, também morador na
Penha, comandante da CPTM, uma companhia do "DOIS DE OUROS", que
atuava enquadrada em apoio às Companhias de policiamento de área.
_ "Ralph, o Comandante Geral quer falar com você, agora".
_ "Um momento que eu vou por a farda".
_ Sem farda – respondeu-me o capitão - .Ele está nos esperando na ponte
A caminho, quando lhe perguntei do que se trata, respondeu-me:
_ É um assunto sobre a Base Aérea, que ele vai lhe explicar. Ele havia
falado comigo, pois queria que eu empregasse a CPTM, mas eu lhe disse que
quem conhecia bem o lugar era você.
Avistei o General João Franco Pontes na ponte de Cumbica, sobre a Via
Dutra: era uma figura esguia, austera, que sem ser sisudo, não nos fazia
imaginá-lo dando uma boa gargalhada; um meio sorriso, talvez. Mas era uma
_ Tenente, o capitão disse que você conhece tudo por aqui. Você conhece
bem a Base Aérea?
_ Razoavelmente, meu comandante.
_ O Governador Ademar foi destratado pelo pessoal da Aeronáutica e
conta com a Força Pública para desagravá-lo. Você acha que poderia tomar a
_Comandante, eu acredito que seja possível fazê-lo. Mas necessito de uns
dias para dar-lhe uma resposta mais precisa.
Tudo bem. Este assunto ficará somente entre nós dois. Nem ao seu
comandante você deverá se reportar.
Embora eu não acreditasse muito que a ordem para tomar a Base Aérea,
me fosse dada, não poderia decepcionar o General, que não podia pro em
dúvida a confiança do Governador na Corporação, além do mais nós
estávamos em débito com ele, pois que havia autorizado a construção do
quartel do 2° Batalhão na Vila Esperança, desapropriando o terreno que nós
havíamos indicado. Nosso Quartel ficava, até então, na Vergueiro, fora de
nossa área de policiamento.
Já na segunda feira, pela manhã, acompanhado do Aspirante a Oficial de
minha Companhia, a bordo do meu possante fusquinha, toquei para Cumbica
percorrendo a sua lateral por caminhos de terra, chegando até próximo à
cabeceira da pista.
Naquele tempo, não havia o Aeroporto Franco Montoro e nem as
inúmeras vilas que o cercam. Toda a Base Aérea ficava no meio de um grande
descampado, onde a garotada ia empinar papagaio, ou bater bola e os
marmanjos armavam seus alçapões na esperança de apanhar alguma coleirinha
Pouco fomos notados pelos sentinelas, pois estavam acostumados com a
presença de carros nas proximidades onde "corretores", volta e meia,
apareciam para tentar empurrar um "belo terreno" para algum cliente
Assim pudemos observar tranquilamente o sistema de rendição da
guarda: um cabo num jipão, percorrendo as laterais da pista, ia fazendo a
substituição das sentinelas, guarita por guarita, até a última e retornava pelo
mesmo caminho até o Corpo da Guarda.
Como ainda não estávamos no período do terrorismo, a segurança da
Base não havia sido reforçada. A partir das seis da tarde de sexta feira era uma
debandada geral: só ficavam no quartel o pessoal de serviço, os presos ou
detidos e alguns poucos deserdados, que não tinham para onde ir.
Em linhas gerais, pretendia atacar na madrugada de sábado para
domingo, com um pequeno grupo a paisana, como se fosse um bando de
subversivos, aguardando o jipão da rendição na última guarita, prendendo os
soldados que haviam sido rendidos, vestir meus homens com a farda deles e
retornar tomando guarita por guarita até o Corpo da Guarda e depois as
demais repartições e serviços, entregando, pela manhã, a Base para a tropa
designada pelo Comando Geral para ocupá-la.
À tarde fui ao gabinete do Comandante Geral e lhe expus um esboço
_ "General, acredito ser possível tomar a Base, sem grandes
complicações, agora, o que se fazer com ela depois, creio que já não seja
problema meu. Para isso eu vou precisar de uns quarenta homens de minha
confiança, transporte, rádios e alguns outros meios".
O General Franco Pontes disse-me que a idéia não era manter a posse da
Base, mas apenas fazer uma demonstração de força, que informar o
Governador e voltaria a me chamar.
Dois dias depois fui chamado e informado que o Governador agradecia
nosso empenho, mas havia aceitado as desculpas da Aeronáutica, não sendo
preciso mais a nossa intervenção.
Pouco tempo depois o "velho Ademar" era cassado e a Tomada de
Cumbica foi mais uma daquelas aventuras que quase aconteceram no meu
tempo de Força Pública.
Ralph Rosário Solimeo
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