quarta-feira, 26 de outubro de 2016

DAR MILHO PRA BODE

DAR MILHO PRA BODE
Assim que começou o expediente, o sargento Renato, do Posto Policial de Cangaíba, chegou à Companhia da Penha.
_. Seu capitão, ontem à noite trombamos com um cara armado, suspeitamos que ele devia alguma coisa e o recolhemos no Posto Policial. Depois de uma boa conversa, ele acabou dando o serviço, contando que, com mais três companheiros, havia assaltado o Banco do Brasil de Jussara, em Goiás e na fuga roubado um carro de um engenheiro em Uberlândia. O moço concordou em levar a gente até a casa dos seus parceiros, que são todos do "pedaço".
_E cadê o cara? – perguntei-lhe.
_Tá lá no xadrez do PP.
Na madrugada seguinte, saímos à cata dos demais assaltantes: embora com a perna engessada em razão de lesão sofrida em jogo de futsal, de muletas e tudo, eu não ia perder essa oportunidade.
Não foi necessário muito trabalho, pois os outros três delinquentes, pegos de surpresa, entregaram-se sem reação. Tratava-se de principiantes que acreditaram poder subir na vida por um meio mais rápido. O "chefe" deles, tendo feito uma visita a parentes em Jussara, constatou que o banco de lá não tinha, praticamente, segurança e que os PM do Destacamento local, além do número reduzido, pouca atenção punham ao banco. Voltando para São Paulo, convenceu três companheiros de trabalho a participarem do assalto. Não possuindo armas, antes de partirem para o crime, foram à Casa Diana onde cada um comprou um "tresoitão" e uma caixa de balas.
Eu pretendia divulgar a ocorrência à Imprensa, antes passá-la à Polícia Civil, mas não deu tempo, algum tira do Plantão Leste, soube da ocorrência e abriu o bico. Logo ao início do expediente recebi ordens do Comando Geral para entregar os detidos para uma equipe do DEIC, que já estava a caminho.
Tentei argumentar, mas de nada adiantou. Sabendo que iria "tomar chapéu", pois estava acostumado a lidar com aquele pessoal, adotei algumas precauções: antes de entregar os detidos, mediante recibo bem detalhado, tirei cópias das notas fiscais das armas e dos documentos dos detidos.
 Mesmo assim tive que ouvir a gozação do Índio, um velho "tira" do Distrito:
_. É capitão, mais um a vez vocês deram milho pra bode. 
E o tira estava com a razão.
Uma semana depois a Folha da Tarde e o Diário da Noite publicavam extensas reportagens sobre o assunto em que o delegado da equipe C, da Delegacia de Roubos, explicava em detalhes como, após estafantes diligências, os seus investigadores haviam esclarecido o roubo ao Banco do Brasil de Jussara, prendendo toda a quadrilha do "Zinho", um dos mais perigosos ladrões de bancos. Na notícia não havia qualquer referência à atuação da Companhia da Penha nas prisões.
Fulo da vida, assim que tomei conhecimento das reportagens, enviei ofícios às redações daqueles jornais esclarecendo a verdade sobre os fatos, juntando as cópias do ofício de entrega dos detidos ao DEIC, e de todos demais documentos relativos ao caso, pedindo a retificação da notícia.
Na edição seguinte, a Folha limitou-se a publicar o ofício na secção "Cartas à Redação"; já o Diário da Noite, mandou um repórter à Companhia que, após me ouvir-, publicou uma nova reportagem, de página inteira, desmentido as declarações dos policiais DEIC e contando a história verdadeira.
Eu sabia que logo teria que "puxar corda", pois já tivera conhecimento que policias da cúpula da Polícia Civil não gostaram do que leram e pressionavam o Secretário da Segurança por providências, pelo que consideravam um insulto à classe: isto me deixou mais satisfeito, pois eles haviam sentido o "golpe".
Não tardou e eu recebi a ordem para, o mais rápido possível, explicar-me diretamente ao Coronel EB Confúncio Danton de Paula Avelino, então nosso Comandante Geral. Capengando nas minhas muletas, lá fui eu puxar mais uma corda.
_Capitão, o senhor não foi orientado a entregar o caso para o DEIC?
_Excelência, eu cumpri à risca as suas ordens, só que eu não podia deixar aqueles "safados passarem" a gente para traz.
_Mas o senhor, ao invés de dar declarações à Imprensa, deveria ter recorrido a mim.
_Comandante, o senhor, em razão de sua posição, não poderia chamá-los publicamente de mentirosos, como eu fiz. De outra vez, eles pensarão bem antes de aprontar em cima da gente. Creio que se o senhor me punir o caso será dado por encerrado.
_Capitão, não se trata de puni-lo, mas o senhor deveria ter confiado em mim. E tem mais capitão, o senhor não pode trabalhar de muletas. Hoje mesmo vá ao médico de sua Unidade para pegar uma licença.
No final da história, a minha punição foi a de ficar quinze dias de molho em casa.
Ralph

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