domingo, 12 de março de 2017

Juiz que suspendeu audiência porque parte usava chinelo ressarcirá União



Este caso foi muito explorado pela mídia à época.

A União foi condenada e agora a regressão alcançou o juiz que agiu arbitrariamente ao cancelar a audiência por conta do cidadão encontra-se usando chinelo de dedos.

Que seja exemplo a inspirar juízes e demais servidores que agem com prepotência arbitrária.





Aqui se faz, aqui se paga

Juiz que suspendeu audiência porque parte usava chinelo ressarcirá União

Pela conduta do magistrado, a União foi condenada a indenizar um trabalhador rural.
quinta-feira, 9 de março de 2017







O juiz do Trabalho Bento Luiz de Azambuja Moreira, que suspendeu audiência porque uma das partes, um trabalhador rural, usava chinelos, deverá ressarcir à União os R$ 12,4 mil pagos ao lavrador a título de danos morais. A decisão é do juiz Federal Alexandre Moreira Gauté, da 1ª vara Federal de Paranaguá/PR.
O caso aconteceu em 2007, no município de Cascavel/PR. O magistrado, ao perceber que o trabalhador Joanir Pereira calçava chinelos, pediu que ele saísse da sala e disse aos advogados presentes que a audiência não seria realizada por conta desse motivo. À época, o juiz considerou que a falta de sapatos fechados "atentaria contra a dignidade do Judiciário".
Pela conduta do magistrado, o lavrador ajuizou ação de danos morais e a União foi condenada a indenizá-lo. A Procuradoria da União no Paraná propôs, então, uma ação contra o magistrado, para que ele fosse obrigado a ressarcir os cofres públicos pela despesa. "Como tal valor tem origem nos tributos pagos pelos contribuintes brasileiros, circunstância que lhe atribui caráter indisponível, deve o referido montante ser ressarcido à União pelo réu da ação, com os devidos acréscimos legais", argumentou.
Dolo ou culpa?
Em análise do caso, o juiz Gauté considerou que a decisão do juiz Bento tem natureza administrativa, portanto, ele deve ser responsabilizado civilmente pelo dano causado, mesmo que tenha agido culposamente.
Segundo o magistrado, "quando o juiz decide que uma pessoa somente pode ser ouvida em audiência se estiver vestindo determinado tipo de roupa", não há nada de jurisdicional.
"Tanto isso é verdade que, como realçado pelo próprio réu, vários juízos editam portarias tratando do tema, o que confirma a natureza administrativa desse tipo de pronunciamento."
Gauté observou que não há dolo na conduta do réu, visto que "ele chegou a pedir ao autor da reclamatória trabalhista que saísse da sala de audiências para, só então, dizer aos advogados das partes que o ato não seria realizado porque o autor estava calçando chinelos em vez de sapatos fechados".
"Se o réu houvesse eleito o resultado danoso como sendo o objeto de sua ação, certamente não teria pedido ao sr. Joanir para sair da sala antes de proferir sua decisão de não realizar a audiência."
Por outro lado, considerou que o magistrado agiu com culpa grave, pois "era absolutamente previsível o abalo moral causado ao autor da reclamatória trabalhista pelo adiamento da audiência, cujo motivo foi apenas o fato dele não estar usando sapatos fechados".
"Todos os que militam no meio forense sabem que o uso de trajes sóbrios é habitual e até mesmo exigível de juízes, membros do Ministério Público e advogados, porém essa exigência não deve ser imposta às partes e testemunhas humildes, ainda mais por órgãos da Justiça do Trabalho, cujos jurisdicionados são, em grande parte, trabalhadores que ostentam menores condições econômicas. Outrossim, os costumes e os padrões sociais locais também devem ser tomados em consideração pelo magistrado."


Poder Judiciário JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Paraná 1ª Vara Federal de Paranaguá Rua Faria Sobrinho, 100 - Bairro: Centro - CEP: 83203-000 - Fone: (41) 3420-1050 - Email: prpar01@jfpr.jus.br AÇÃO SUMÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM SUMÁRIO) Nº 5000622-16.2013.4.04.7008/PR AUTOR: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO RÉU: BENTO LUIZ DE AZAMBUJA MOREIRA SENTENÇA 1. Relatório A União pretende que o réu seja condenado a ressarcir o valor de R$ 12.445,48, com incidência de correção monetária e juros de mora desde 28/11/2012, nos termos do verbete nº 54 da súmula da jurisprudência do STJ. Afirma a União que foi condenada a pagar R$ 10.000,00, com acréscimo de correção monetária, juros de mora e honorários de sucumbência, a título de reparação de dano moral, causado pelo réu, que é juiz do trabalho, a Joanir Pereira. Tal condenação foi proferida na ação de autos nº 2009.70.05.002473-0, processada na 2ª Vara Federal de Cascavel, sendo que a sentença, confirmada pelo TRF da 4ª Região, ressalvou o direito de regresso da União em face do magistrado. Diz a União que disponibilizou ao autor daquela ação, em 28/11/2012, o valor de R$ 12.445,48. Os fatos que deram origem à sua condenação foram narrados pela União nos seguintes termos: Em 29 de março de 2007, JOANIR PEREIRA, que se identificou como lavrador, ajuizou Reclamação Trabalhista contra a empresa MADEIRAS J BRESOLIN, tendo sido o feito distribuído para a 3ª Vara do Trabalho de Cascavel, sob o nº 1468-2007-195-9-0-2. Para o dia 13 de junho de 2007 foi designada audiência de conciliação para o feito. No entanto, a referida audiência acabou por ser cancelada pelo Exmo. Juiz do Trabalho BENTO LUIZ DE AZAMBUJA MOREIRA, ao incabível e discriminatório argumento de que o reclamante, um humilde trabalhador rural, estava calçando uma sandália de dedos, utensílio que seria atentatório à dignidade do Poder Judiciário. O referido caso alcançou repercussão nacional, tendo sido objeto de diversas matérias jornalísticas divulgadas pela imprensa do país, fato que marcou com uma severa mancha a imagem e a respeitabilidade do Poder Judiciário Brasileiro. Pois bem, indignado com o tratamento que lhe foi conferido pelo Poder Judiciário, sentindo-se socialmente discriminado e pessoalmente humilhado, em 30 de julho de 2009, JOANIR PEREIRA ingressou com Ação Judicial na qual requereu a condenação da União a pagar-lhe indenização por danos morais que lhe foram impostos pela conduta do integrante do Poder Judiciário da União. A ação foi tombada sob o número 2009.70.05.002473-0 e se processou perante o Juízo da 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Cascavel. Processado e instruído o feito, com fundamento na responsabilidade objetiva do Estado, a União foi condenada a pagar indenização por danos morais causados ao autor em valor equivalente a R$ 10.000,00, a serem acrescidos de correção monetária e juros, e ainda a honorários sucumbenciais da ordem de 10%. Tanto a União quanto o senhor JOANIR PEREIRA apelaram contra a sentença proferida pelo Juízo de primeira instância. Entretanto, os seus termos originais foram integralmente mantidos pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Transitado em julgado o feito, desceram os autos para a primeira instância, tendo JOANIR PEREIRA iniciado a execução em 24 de maio de 2012, pelo valor total de R$ 12.442,62. Sustenta a União que discriminar um lavrador simplesmente porque ele não usava sapato fechado, ao se apresentar para uma audiência, representa uma insensibilidade absurda, uma desumanidade. Acrescenta que beira o surrealismo imaginar que tal preconceito partiu de um juiz do trabalho. Afirma que qualquer pessoa de mediana inteligência saberia que a conduta era humilhante e ofenderia o trabalhador, pelo que é impossível afastar o dolo ou a culpa da conduta do réu. Diz que a conduta do réu foi dolosa porque ele agiu de forma intencional, tendo livre e voluntariamente praticado o ato de preconceito, cancelando a audiência, negando acesso à jurisdição e lavrando termo de sua conduta sem que qualquer provocação ou atentado efetivo às suas atividades tenha sido promovido por Joanir Pereira. Respalda sua pretensão nos artigos 3º, IV, 5º, caput e inciso LXXVII, 37, § 6º, e 115, § 2º, todos da Constituição da República. A União instruiu a inicial com cópia dos autos nº 2009.70.05.002473-0, em que sofreu a condenação em tela. O réu apresentou contestação no evento 16. Levantou preliminar de coisa julgada, ao argumento de que não constou do dispositivo daquela sentença condenatória o direito de regresso da União. No mérito, sustentou que: a) para haver responsabilização do magistrado, é necessária a comprovação do elemento subjetivo de sua conduta, que seriam o dolo ou fraude, nos termos do art. 133, I, do CPC/73 e do art. 49 da LOMAN, sendo certo que jamais se cogitou de fraude; b) a fundamentação da sentença, que condenou a União ao pagamento de indenização moral, diz respeito aos inconvenientes experimentados pelo reclamante em razão do cancelamento da audiência, porém nada menciona quanto à eventual atitude discriminatória do magistrado; c) em momento algum agiu de forma discriminatória ou preconceituosa em razão de Joanir ser lavrador, ao contrário, sempre agiu dessa forma, quanto ao entendimento do que seja vestimenta adequada para comparecer a uma audiência, ao longo de toda a sua carreira na magistratura; d) outros juízes do trabalho redesignaram audiências em caso de inadequação do traje das partes e/ou das testemunhas; e) o fato do reclamante ter tido que retornar em outro dia para a realização da audiência não violou o acesso à Justiça, eis que houve a prestação jurisdicional menos de um mês após a redesignação da primeira audiência; f) sua conduta sequer foi imprudente, eis que teve o cuidado de comunicar ao advogado de Joanir o motivo do adiamento da audiência, sem a presença do cliente; g) sua decisão pode ser tida como polêmica e discutível, mas não ilegal, pois fundamentada no artigo 445 do CPC/73; h) é sua competência interpretar o significado da palavra "decoro" e ele perfilha o entendimento de que devem ser seguidas as diretrizes traçadas pelos tribunais superiores, que proíbem a entrada de pessoas com trajes inadequados nos fóruns; i) atuou como juiz substituto por dez anos na cidade de Curitiba, onde é absolutamente incomum um cidadão comparecer à sala de audiência calçando chinelos. Por fim, listou uma série de atos normativos de vários tribunais, que disciplinam o uso de vestimenta adequada ao ingresso nos respectivos fóruns, bem como afirmou que utilizou um texto infeliz naquela audiência, porém sua intenção era apenas a de manter o decoro na sala de audiências. Realizada audiência de conciliação, não houve acordo entre as partes (evento 18). Consignou o réu que não discordava dos fatos narrados pela União na inicial, mas, sim, das conclusões por ela apresentadas em relação aos elementos subjetivo da conduta (dolo e culpa). As partes requereram a juntada dos depoimentos das testemunhas ouvidas nos autos nº 2009.70.05.002473-0. Os áudios com os depoimentos daquelas testemunhas foram juntados no evento 21. As testemunhas arroladas pela União foram ouvidas por carta precatória (autos nº 5007509-25.2013.404.7005 - evento 39), sendo que o réu não arrolou testemunhas. A União apresentou alegações finais no evento 45. Disse que a sentença condenatória ressalvou seu direito de regresso em face do agente público causador do dano, de modo que o fato dessa ressalva não ter constado do dispositivo não é impeditivo para o exercício desse direito. Sustentou que naquela sentença foi examinada a culpabilidade do réu e destacada a existência de dois danos: o primeiro foi gerado pela não realização da audiência e o segundo pela repercussão do caso. Concluiu-se, naquela oportunidade, que o dano moral gerado pela não realização da audiência, sem motivo plausível, é que deve ser indenizado, em razão da culpa do agente público que o causou. Afirmou que não se discute aqui o direito de regresso oriundo do dano moral causado pela repercussão dos fatos e seus desdobramentos. A União acrescentou que foi provado que o reclamante era pessoa pobre, simples e que não possuía um par de sapatos, mas usava botinas para trabalhar e chinelos em outras ocasiões. Além disso, no dia da audiência, usava calça jeans e camisa social, o que não implica qualquer ofensa à dignidade do Poder Judiciário. O réu apresentou suas alegações finais no evento 46. Requereu a degravação do áudio dos depoimentos das testemunhas nos autos de carta precatória nº 5007509-25.2013.404.7005. Sustentou, em resumo, que: a) o depoimento de Joanir foi contraditório em relação ao que prestou na ação de indenização, relativamente à saída da sala de audiências; b) toda a repercussão midiática foi causada pelo advogado de Joanir, de modo que a imprensa encontrava-se já no local quando da realização da segunda audiência; c) a redesignação da audiência não trouxe qualquer prejuízo jurisdicional ao Sr. Joanir, tampouco violou os princípios do acesso à justiça e da razoável duração do processo; d) sua conduta encontra suporte no art. 445 do CPC/73, eis que compete ao juiz interpretar o que significa "decoro"; e) não agiu com dolo ou culpa, razão pela qual o pedido deve ser julgado improcedente. É o relatório. Passo a decidir. 2. Fundamentação 2.1. Preliminares O direito de regresso está expressamente previsto no art. 36, § 7º, da CRFB, bem como foi mencionado na fundamentação da sentença proferida nos autos nº 2009.70.05.002473-0. Sendo assim, não tem qualquer relevância o fato desse direito de regresso não ter constado no dispositivo daquela sentença, até porque essa não era uma questão controvertida naquele processo. É dizer, mesmo que esse direito de regresso não houvesse sido sequer mencionado naquela decisão, ainda assim não haveria qualquer óbice processual para que a União o exercesse em outra sede, tal como ocorre na espécie. Em outros termos, não há que se cogitar do óbice da coisa julgada porque o direito de regresso não fez parte do objeto daquela ação. Outrossim, não prospera também a alegada necessidade de degravação dos depoimentos colhidos nos autos de carta precatória nº 5007509-25.2013.4.04.7005, pois, a despeito da interferência de uma música de fundo, as palavras das testemunhas, dos advogados e do juiz estão audíveis. Tanto isso é verdade, que o próprio réu agregou às suas alegações finais as razões que entendeu pertinentes a partir do que disseram as pessoas ouvidas naquela precatória (Joanir Pereira, Olímpio Marcelo Picoli e José Orlando Chassot Bresolin). Rejeito, portanto, as preliminares. 2.2. Mérito A existência da ação, do dano moral e do nexo causal não pode mais ser discutida, eis que afirmada por decisão judicial transitada em julgado (autos nº 2009.70.05.002473-0). A questão aqui controvertida cinge-se, portanto, a saber se está presente a responsabilidade pessoal do agente público que, atuando em nome da União, causou aquele dano moral. Vale dizer, tendo em linha de conta o comando do art. 36, § 7º, da CRFB, é necessário decidir aqui apenas se a União tem direito de ser ressarcida, em caráter regressivo, pelo agente causador do dano, nada mais. Como esse agente é um magistrado, é fundamental definir se o pretenso direito regressivo da União exige a comprovação de que ele agiu com dolo ou fraude, ou se basta a demonstração de que houve uma atuação culposa por parte dele. Como se sabe, no desempenho da função jurisdicional, os juízes somente podem ser civilmente responsabilizados nos casos em que causam danos por conta de uma ação dolosa ou fraudulenta, bem como por recusarem, omitirem ou retardarem, sem justo motivo, providência que devam ordenar de ofício, ou a requerimento das partes (art. 49 da LOMAN c/c art. 133 do CPC/73). Por outro lado, quando os juízes exercem função administrativa, não estão ao abrigo das indigitadas normas da LOMAN e do CPC, ou seja, no exercício de função administrativa, os juízes são passíveis de responsabilização civil se causarem danos mesmo que apenas culposamente. Além disso, parte da doutrina sustenta que relativamente aos atos judiciários, assim entendidos aqueles decorrentes da prática de atividades administrativas, dúvida não há quanto à possibilidade de caracterização da responsabilidade civil objetiva do Estado. Já em relação aos atos judiciais, compreendidos como aqueles decorrentes do exercício da função jurisdicional, há que se sopesar tanto a garantia da independência funcional quanto a existência de recursos inerentes ao próprio processo judicial como forma específica de se questionar o teor das decisões. Veja-se, a esse respeito, o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho (grifei): Não obstante, parece-nos inteiramente cabível distinguir os atos tipicamente jurisdicionais do juiz, normalmente praticados dentro do processo judicial, dos atos funcionais, ou seja, daquelas ações ou omissões que digam respeito à atuação do juiz fora do processo. Neste último caso, diferentemente do que sucede naqueles, se tais condutas provocam danos à parte sem justo motivo, o Estado deve ser civilmente responsabilizado, ainda que o juiz tenha agido de forma apenas culposa, porque o artigo 37§6º da CF é claro ao fixar responsabilidade estatal por danos que seus agentes causarem a terceiros, e entre seus agentes encontram-se, à evidência, inseridos os magistrados. É o caso, por exemplo, de um juiz que retarda, sem justa causa, o andamento do processo; ou perde processos por negligenciar em sua guarda; ou deixa, indevidamente, de atender a advogado das partes; ou ainda pratica abuso de poder em decorrência de seu cargo. Todas essas hipóteses, que refletem condutas mais de caráter administrativo que propriamente jurisdicionais, rendem ensejo, desde que provado o dano e o nexo causal, à responsabilidade civil do Estado e ao consequente dever de indenizar, sem contar, é óbvio, a responsabilidade funcional do juiz. O Estado, todavia, nos termos do mandamento constitucional, tem direito de regresso contra o juiz responsável pelo dano, o qual, demonstrada sua culpa, deverá ressarcir o Estado pelos prejuízos que lhe causou. (CARVALHO FILHO, JOSÉ DOS SANTOS. Manual de Direito Administrativo. São Paulo, Atlas, 2015, p. 600) No caso concreto, o dano moral, já reconhecido por decisão transitada em julgado, foi gerado pela seguinte decisão do réu: adiamento de uma audiência na Justiça do Trabalho porque o autor da reclamatória trabalhista não estava calçando sapatos fechados, mas chinelos de dedo, embora vestisse calça comprida e camisa social. Coloca-se, então, a seguinte questão: essa decisão tem natureza administrativa ou jurisdicional? A resposta a essa pergunta implicará o regime jurídico a ser adotado para a configuração, ou não, da responsabilidade civil do réu (exigência de dolo ou fraude na sua conduta versus comprovação de conduta meramente culposa). Como o julgado, que condenou a União a reparar dano moral, causado por ato do réu, assentou a responsabilidade civil objetiva dela, isso, por si só, já apontaria no sentido de que o ato causador do dano deve ter natureza administrativa, pois se sua natureza fosse jurisdicional, não haveria espaço para a responsabilidade civil objetiva do Estado, segundo a doutrina administrativista clássica. Mas isso não me parece suficiente, haja vista que parte da doutrina administrativista contemporânea admite a responsabilidade objetiva do Estado mesmo que causado por ato jurisdicional. Confira-se (BEZERRA DE MELO, Marco Aurélio. A responsabilidade civil e a obrigação de tornar indene o ofendido. In: NEVES, Thiago Ferreira Cardoso (Coord.). Direito & justiça social. Por uma sociedade mais justa, livre e solidária. Estudos em homenagem ao professor Sylvio Capanema de Souza. São Paulo: Atlas, 2013, p. 506): Há ainda situações outras em que a máquina judiciária, por meio de seus órgãos, agentes políticos ou serventuários, pode causar dano ao jurisdicionado e até mesmo independentemente de dolo ou culpa de qualquer um destes, ser o Estado chamado à responsabilidade. A divisão de poderes é funcional e foi fundamental para a consolidação do estado de direito, o qual não deixa espaço para a concepção de irresponsabilidade do Estado. Funcionalmente quem causou dano foi o Poder Judiciário, mas será o orçamento do Estado que será afetado pela reparação pecuniária. Todo orçamento, seja funcionalmente do executivo, do legislativo ou do judiciário, provém da mesma fonte arrecadadora por meio, principalmente, dos tributos pagos pelo povo, direta ou indiretamente. Dessa forma, há necessidade de se ampliar o horizonte da responsabilidade por atos judiciais para além do "erro judiciário" de feição criminal por envolver prisão indevida para a admissão de responsabilidade estatal em situações como: (a) demora abusiva da prestação jurisdicional, causando dano comprovado como, por exemplo, alguém que faria jus de modo cristalino a um provimento liminar para internação hospitalar na rede pública ou por uma determinação à operadora do plano de saúde e que acaba morrendo pela falta da decisão interlocutória; (b) ofensa moral perpetrada por um serventuário da justiça ou um magistrado a uma parte ou advogado; (c) sumiço de autos de processos judiciais; (d) descumprimento de uma ordem judicial de órgão jurisdicional hierarquicamente superior; (e) dentre outras. Essa ampliação deve ser feita com razoabilidade para não colocar em risco a independência dos magistrados, pois há inegável diferença entre os agentes com função executiva e os magistrados que exercem função judicante, na medida em que aqueles praticam atos de "execução regrados e informados pelo princípio da legalidade, permitindo, até com previedade e mediante autocontrole, o amplo controle da atividade administrativa e a direta responsabilização do Estado pelo funcionamento deletério do serviço público" e estes decidem de acordo com o livre convencimento baseado em premissas axiológicas e hermenêuticas, sendo obrigado apenas a fundamentar as suas razões de decidir. (grifei) Por essa razão, entendo necessário avaliar se o ato praticado pelo réu amolda-se ou não ao disposto pelo art. 445, I, do CPC/73 (reproduzido no art. 360 do CPC/2015 - grifei): Art. 445. O juiz exerce o poder de polícia, incumbindo-lhe: I - manter a ordem e o decoro na audiência; II - ordenar que se retirem da sala de audiência os que se comportarem inconvenientemente; III - requisitar, quando necessário, a força policial; Penso que esse exercício do poder de polícia por parte do magistrado, com o fim de manter a ordem e o decoro na audiência, refere-se à necessidade de velar pelo adequado comportamento das partes, seus advogados e testemunhas, advertindo-os, por exemplo, em caso de ofensas irrogadas ou de intervenções não consentidas, cassando palavras, indeferindo perguntas etc. Desse modo, pode-se dizer que, ao se desincumbir dessa obrigação, está o juiz exercendo atividade jurisdicional. O mesmo não ocorre, contudo, quando o juiz decide que uma pessoa somente pode ser ouvida em audiência se estiver vestindo determinado tipo de roupa. Nada há de jurisdicional aí, ainda que se busque enquadrar, no conceito de decoro, a vestimenta das pessoas para que elas possam ingressar nas dependências do Poder Judiciário. Tanto isso é verdade que, como realçado pelo próprio réu, vários juízos editam portarias tratando do tema, o que confirma a natureza administrativa desse tipo de pronunciamento. Note-se, ainda, na espécie, que a audiência propriamente dita sequer teve início, pois o réu (juiz do trabalho), ao ver que o autor daquela ação estava calçando chinelos, pediu a ele que saísse da sala e disse aos advogados presentes que a audiência não seria realizada por conta desse motivo (autor não calçava sapatos fechados). Tal decisão ostenta, portanto, nítida natureza administrativa, ainda que proferida por magistrado, na linha do que foi acima assentado, eis que nada tem a ver com o exercício da função jurisdicional, tampouco com o disposto pelo inciso I do art. 445 do CPC/73, vigente à época dos fatos. Assim, afirmada a natureza administrativa do ato causador do dano moral, resta analisar se o réu agiu com culpa ou dolo, pois apenas se for provado qualquer desses dois aspectos subjetivos da sua conduta, será possível a sua responsabilização pessoal, em caráter regressivo, nos termos do art. 37, § 6º, in fine, da CRFB. Antes de mais nada, é importante deixar assentados os conceitos de dolo e culpa, o que faço com apoio na doutrina de Sergio Cavalieri Filho (Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 36-42): Tanto no dolo como na culpa há conduta voluntária do agente, só que no primeiro caso a conduta já nasce ilícita, porquanto a vontade se dirige à concretização de um resultado antijurídico - o dolo abrange a conduta e o efeito lesivo dele resultante -, enquanto que no segundo a conduta nasce lícita, tornando-se ilícita na medida em que se desvia dos padrões socialmente adequados. O juízo de desvalor no dolo incide sobre a conduta, ilícita desde a sua origem; na culpa, incide apenas sobre o resultado. Em suma, no dolo o agente quer a ação e o resultado, ao passo que na culpa ele só quer a ação, vindo a atingir o resultado por desvio acidental de conduta decorrente de falta de cuidado. [...] Ressai desses conceitos que o dolo tem por elementos a representação do resultado e a consciência da sua ilicitude. Representação é, em outras palavras, previsão, antevisão mental do resultado. Antes de desencadear a conduta, o agente antevê, representa mentalmente, o resultado danoso e o elege como objeto de sua ação. E assim é porque somente se quer aquilo que se representa. O agente que age dolosamente sabe também ser ilícito o resultado que intenciona alcançar com sua conduta. Está consciente de que age de forma contrária ao dever jurídico, embora lhe seja possível agir de forma diferente. [...] Por tudo o que foi dito, pode-se conceituar a culpa como conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível. [...] Não havendo previsibilidade, estaremos fora dos limites da culpa, já no terreno do caso fortuito ou da força maior. [...] Ninguém pode responder por fato imprevisível porque, na realidade, não lhe deu causa. Neste ponto, cabe uma indagação: se o resultado foi previsto, por que o agente não o evitou? Se era pelo menos previsível, por que o agente não o previu e, consequentemente, o evitou? A resposta é singela: porque faltou com a cautela devida; violou aquele dever de cuidado que é a própria essência da culpa. Por isso, vamos sempre encontrar a falta de cautela, atenção, diligência ou cuidado como razão ou substrato final da culpa. [...] Examinada pelo ângulo da gravidade, a culpa será grave se o agente atuar com grosseira falta de cautela, com descuido injustificável ao homem normal, impróprio ao comum dos homens. É a culpa com previsão do resultado, também chamada culpa consciente, que se avizinha do dolo eventual do Direito Penal. Em ambos há previsão ou representação do resultado, só que no dolo eventual o agente assume o risco de produzi-lo, enquanto na culpa consciente ele acredita sinceramente que o evento não ocorrerá. Haverá culpa leve se a falta puder ser evitada com atenção ordinária, com o cuidado próprio do homem comum, de um bonus pater familias. Já a culpa levíssima caracteriza-se pela falta de atenção extraordinária, pela ausência de habilidade especial ou conhecimento singular. Diferentemente do Direito Penal, o Código Civil, de regra, equipara a culpa ao dolo para fins de reparação do dano, e não faz distinção entre os graus de culpa. Ainda que levíssima, a culpa obriga a indenizar - in lege aquilea et levissima culpa venit -, medindo-se a indenização não pela gravidade da culpa, mas pela extensão do dano. Definidos, assim, os conceitos de dolo e culpa, não é possível vislumbrar a ocorrência de dolo na conduta do réu. Com efeito, ele chegou a pedir ao autor da reclamatória trabalhista que saísse da sala de audiências para, só então, dizer aos advogados das partes que o ato não seria realizado porque o autor estava calçando chinelos em vez de sapatos fechados. Se o réu houvesse eleito o resultado danoso como sendo o objeto de sua ação, certamente não teria pedido ao sr. Joanir para sair da sala antes de proferir sua decisão de não realizar a audiência. Todos os que militam no meio forense sabem que o uso de trajes sóbrios é habitual e até mesmo exigível de juízes, membros do Ministério Público e advogados, porém essa exigência não deve ser imposta às partes e testemunhas humildes, ainda mais por órgãos da Justiça do Trabalho, cujos jurisdicionados são, em grande parte, trabalhadores que ostentam menores condições econômicas. Outrossim, os costumes e os padrões sociais locais também devem ser tomados em consideração pelo magistrado. Assim sendo, entendo que era absolutamente previsível o abalo moral causado ao autor da reclamatória trabalhista pelo adiamento da audiência, cujo motivo foi apenas o fato dele não estar usando sapatos fechados, tal como reconhecido por decisão transitada em julgado nos autos nº 2009.70.05.002473-0. De fato, como se tratava de pessoa humilde (trabalhador rural), era previsível que o autor daquela reclamatória trabalhista poderia se sentir ofendido, como efetivamente se sentiu, por ver a audiência adiada apenas em razão da simplicidade de seus calçados. Bem por isso, penso que o réu agiu com culpa grave, de forma imprudente, a fortiori porque se trata de um juiz do trabalho que exercia suas funções em região com grande quantidade de trabalhadores rurais. Veja-se, a propósito, o depoimento da testemunha Heriberto Teixeira, ouvida nos autos nº 2009.70.05.002473-0 (evento 21, VIDEO3): Disse que conheceu Joanir por ocasião da audiência trabalhista que veio a ser adiada em razão do ato praticado pelo réu desta ação cível. Afirmou que era procurador da empresa reclamada naquela ação trabalhista. Disse que ao entrarem e sentarem, o juiz avisou que suspenderia a audiência porque o reclamante não estava trajando vestimentas compatíveis com a Justiça. Disse que o juiz acrescentou que na próxima audiência o sr. Joanir deveria trazer um calçado melhor, que fosse compatível com a Justiça. Afirmou que o advogado do reclamante pediu que fosse consignado em ata o motivo do adiamento e o juiz disse que na outra audiência traria um par de sapatos para o reclamante. Disse que naquele momento não foi possível perceber se o juiz estava sendo irônico ou não, porém entende que o ato em si já era reprovável, independentemente da intenção do juiz. Disse que houve uma indignação geral e que ele mesmo nunca tinha presenciado uma situação como aquela. Acrescentou que na região há muitos trabalhadores simples. Tal como realçado por essa testemunha, era previsível que a conduta do réu fosse gerar abalo moral no sr. Joanir, trabalhador rural, pessoa de poucos recursos financeiros, que não foi à audiência usando sapatos porque sequer tinha esse tipo de calçado, não porque quisesse ofender a dignidade do Poder Judiciário. Era natural (previsível) que o sr. Joanir viesse a se sentir moralmente ofendido, como acabou ocorrendo, quando soubesse (por seu advogado) que a audiência não foi realizada porque ele estava calçando chinelos, a despeito de estar vestido com calça comprida e camisa social. Nem mesmo as portarias e atas apresentadas aqui pelo réu têm o condão de afastar a culpa de sua conduta, embora reforcem a ausência do dolo. Com efeito, a grande maioria faz referência à inadequação de vestimentas do tipo "bermudas" e "regatas", porém a situação em tela é absolutamente diversa: o réu recusou-se a realizar a audiência apenas porque o reclamante, sabidamente um humilde lavrador, se apresentou calçando chinelos de dedo, embora, repita-se, estivesse vestindo calça comprida e camisa social. Em resumo, provada a natureza administrativa do ato praticado pelo réu, que causou o dano moral cuja reparação foi imposta à União nos autos nº 2009.70.05.002473-0, bem como que o réu agiu culposamente, de forma imprudente, impõe-se a sua obrigação de ressarcir a União, em caráter regressivo, nos exatos termos do art. 37, § 6º, da CRFB. 3. Dispositivo Ante o exposto, julgo procedente o pedido para condenar o réu a pagar à União o valor de R$ 12.445,48, que deve ser corrigido exclusivamente pela incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil), pois engloba correção monetária e juros de mora, capitalizada de forma simples, a contar da data em que a União disponibilizou o pagamento nos autos nº 2009.70.05.002473-0 (28/11/2012). Condeno o réu pagar também as custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da condenação, com fundamento no art. 85, § 3º, I, e § 6º, do CPC. Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimemse. Havendo apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões e, escoado o prazo, encaminhe-se ao TRF da 4ª Região. Transitada em julgado essa sentença ou confirmada em grau de recurso, intime-se a União para requerer o que entender pertinente. 5000622-16.2013.4.04.7008 700001215284 .V159 SLE© GAU 
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