Trabalho policial é "enxugar chão com ralo entupido e torneira aberta", compara ex-comandante da PM
fonte: Matuiti Mayezo/Folhapress
Questionado
pela jornalista Rachel Sheherazade se as polícias não estariam
"enxugando o gelo" no combate diário à violência, visto que não são
combatidas as causas do problema, Carlos Alberto de Camargo expandiu a
metáfora e disse: "As polícias estão tentando enxugar o chão com o ralo
entupido e a torneira aberta".
Camargo, que é especialista em
Segurança e ex-comandante da Polícia Militar em São Paulo, explicou cada
detalhe da comparação em entrevista à Jovem Pan nesta
terça (27). A "torneira aberta" da violência são os adolescentes e
jovens que cada vez mais são cooptados pelo crime. Já o "ralo entupido"
representa o sistema prisional e punitivo brasileiro, que segundo o
coronel mais parece "brincadeira" para os jovens infratores.
Protesto da ONG Rio de Paz pelas crianças mortas por balas perdidas, na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro (Folhapress)
"Não
há consequências para os atos infracionais para o crime; as crianças,
os jovens, fazem como se fosse uma atividade lúdica; é uma grande
brincadeira. Aquela imagem de jovens atirando como se estivessem na
guerra do Vietnã, que passou recentemente na TV, mostra que é uma grande
brincadeira na cabeça deles. Medo nenhum existe das consequências
daquilo que estão fazendo", critica Camargo.
Soluções e "vergonha na cara"
O coronel critica veementemente a administração pública, desde Brasília
até os municípios, que não conseguem gerir seus recursos para enfrentar a
violência.
São Paulo e Rio de Janeiro, grandes metrópoles,
têm mais visíveis as suas fragilidades. No combate por vezes
despreparado ao crime, mais de 800 pessoas foram mortas pela polícia no
estado de São Paulo de janeiro a novembro de 2014, recorde dos últimos
10 anos. No Rio, houve 16 vítimas de bala perdida em apenas três dias e o
17º pode ter ocorrido nesta madrugada, em caso de adolescente baleado
no Complexo do Alemão investigado pela Polícia Civil.
"O
Governo Federal, se quer fazer alguma coisa, tem que estabelecer uma
política pública que obrigue os municípios a tomarem vergonha na cara
mesmo, esse é o termo, forte, de criar políticas públicas que acolham os
jovens, as crianças e os adolescentes e evitem que eles sejam cooptados
pelo crime", cobra Camargo. "É vergonhoso. A quantidade de verba
destinada à segurança que volta aos cofres públicos por falta de
planejamento nos municípios é assustadora. E os planos não são feitos
até por questões técnicas, contábeis. E isso é um crime contra a
sociedade", acusa, indignado.
O repórter Anchieta Filho
lembrou em seguida que o governo do Rio de Janeiro cortou R$ 1,37 bilhão
do orçamento para a segurança recentemente. Em entrevista na segunda, o Secretário de Segurança Pública do estado carioca, José Mariano Beltrame, disse que as Forças Armadas deveriam assumir o controle das fronteiras para impedir a entrada de armas e drogas no Rio.
O tripé da segurança
A
ilustração do chão molhado tem relação com aquilo que o coronel Camago
considera as três fases fundamentais de combate ao crime. "A verdadeira
prevenção não é prender bandidos, mas evitar que crianças se tornem
bandidos", avalia o ex-comandante da PM, em solução analogamente similar
à torneira aberta.
Também, considera o especialista, "é
preciso que nesse momento a gente endureça a fase da punição", para
transformá-la em algo que "intimide o delinquente", disse em referência a
armas e celulares expostos e circulando livremente nas ruas e dentro
dos presídios. Algo similar a "desentupir o ralo".
No meio
desses "dois extremos", de prevenção e punição, estaria a fase policial,
que, em sua visão, é "a única que não consegue fazer o bandido mudar de
vida". "À polícia só cabe estar no lugar certo e se antecipar ao
crime".
"É preciso que essas três fases sejam muito fortemente implementadas", cunclui e conclama o coronel Camargo.
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