Lula não poderá assumir
cargo de Ministro segundo
Juiz Federal baseado em
julgamentos do STF
Foto: BBC
Na semana passada, o STF reiterou a tese remansosa e
iterativa, no sentido da impossibilidade de membros do
Ministério Público exercerem cargos no Poder Executivo, ao
julgar a nomeação do novo Ministro da Justiça, na ADPF
388.
Naquele caso, a derrota para o governo se desenhava como
uma tragédia anunciada. Isso porque todos os precedentes
da Corte convergiam no sentido de que o membro do
Ministério Público não pode se afastar de suas funções para
exercer cargo fora da estrutura do órgão, salvo o
Magistério. A orientação estava firmada nos seguintes
julgados: Adi 2.084/sp, rel. Min. Ilmar Galvão –Adi
2.836/RJ, rel. Min. Eros Grau – adi 3.298/ES, rel. Min.
Gilmar Mendes – adi 3.838-mc/DF, rel. Min. Carlos Britto
– Adi 3.839-mc/MT, rel. Min. Carlos Britto – ms 26.325-
mc/df, rel. Min. Gilmar Mendes.
A importância da análise de precedentes se dá pois há uma
função pedagógica nas decisões do Poder Judiciário: a
sinalização à sociedade, e para os que exercem o Poder, de
como se deve atuar prospectivamente. Nessa linha, os
juízes, quando decidem, visam a evitar conflitos futuros, e
ficam atentos aos efeitos colaterais de suas decisões, em
uma perspectiva consequencialista.
Com a análise da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, verifica-se que o governo parece determinado a
buscar mais duas derrotas, ambas em matéria de foro por
prerrogativa de função. São reveses que já podem ser de
antemão conhecidos.
A primeira tentativa vem da proposta de um projeto de lei
para dar foro privilegiado a ex-presidentes da República,
ventilada recentemente no Parlamento. A segunda é a
nomeação de uma ex-autoridade para ocupar o cargo de
ministro de Estado, com o inescondível objetivo de
obtenção do foro privilegiado.
Comecemos pelo primeiro ponto.
Há cerca de uma década, o STF interpretou a Constituição
no sentido de que o foro por prerrogativa de função só
pode existir durante o exercício do mandato. Assim, o Pleno
do STF, por 7 votos a 3, na ADIN 2797, entendeu
inconstitucional a lei 10.628/02, que estendeu para ex-
autoridades o foro privilegiado.
Entenderam os ministros que o fundamento a legitimar a
existência do foro diferenciado, é a proteção do cargo, ou
seja, do interesse público. E jamais da pessoa que o ocupa
temporariamente. Do contrário haveria a prevalência de um
interesse meramente privado.
Na ocasião, o relator das ações, ministro Sepúlveda
Pertence, asseverou que o Congresso praticou abuso do
poder de legislar, ao tentar restabelecer por lei o foro
especial de ex-autoridades, que o STF já tinha derrubado
em 1999.
Uma das razões à busca da extensão do foro para ex-
autoridades foi a notícia da prisão, à época, do ex-
presidente argentino Carlos Menem, por decisão do juiz
federal Jorge Urso, após o fim de seu mandato, em 2001.
Assim, a lei foi aprovada, e sancionada pelo ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, no apagar das luzes de seu
mandato.
Além da prisão do ex-presidente argentino, por um juiz de
primeiro grau, o STF tinha cancelado a súmula 394. Esta
dispunha que “cometido o crime durante o exercício
funcional, prevalece a competência especial por
prerrogativa de função ainda que o inquérito ou a ação
penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”
O verbete fora editado em 3/4/1964, não por acaso 2 dias
após a deflagração do golpe militar de 1964, em uma
quadra histórica superada com a Constituição Cidadã. Com
a nova ordem constitucional, o enunciado foi cancelado,
com o julgamento de questões de ordem entre os anos de
1999 e 2001 (Inq 687, (DJ de 9/11/2001), na AP 315 (DJ
de 31/10/2001), na AP 319 (DJ de 31/10/2001), no Inq
656 (DJ de 31/10/2001), no Inq 881 (DJ de 31/10/2001) e
na AP 313 (DJ de 12/11/1999)).
Naquele momento o Supremo Tribunal Federal deu o
recado de que, em uma República democrática, o foro só se
legitima em bases excepcionais. E nunca para fins de
favorecimento pessoal do inquilino que detém
momentaneamente o exercício do Poder, que pertence ao
povo.
Por essa razão, no mesmo julgado, e na mesma linha de
raciocínio, o STF entendeu inconstitucional o foro especial
nas ações por improbidade administrativa, com a mesma
interpretação restritiva para o instituto de excepcional
deslocamento da competência. Tal entendimento foi
reafirmado em precedentes como AI 556727 AgR/SP, Rel.
Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 20/03/2012,
DJe 26/04/2012; ARE 700359/SP, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgado em 06/08/2012, DJe 10/08/2012;
AC 3170/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
29/06/2012, DJe 1º/08/2012; RE 664350/DF, Rel. Min. Luiz
Fux, julgado em 27/06/2012, DJe 02/08/2012; RE 540712
AgR-AgR/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em
27/11/2012, DJe 13/12/2012.
Voltando ao foro privilegiado, em matéria criminal, para ex-
autoridades, sempre houve tentativas de mitigar a
orientação estabelecida. Ocorre que, os Tribunais
Superiores repisaram, ao longo dos anos, de maneira
uníssona e remansosa o evidente: autoridades que se
aposentam, ou encerram o mandato, perdem a
prerrogativa de foro. Com esses julgados, parecia colocada
uma pá de cal sobre a polêmica. Como exemplos podem
ser citados a Pet 3421 AgR/MA, Rel. Min. Cezar Peluso,
Tribunal Pleno, julgado em 25/06/2009, DJe 04/06/2010,
HC 106871/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma,
julgado em 27/03/2012, DJe 11/04/2012; Rcl 4213/ES,
Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 08/08/2012, DJe
15/08/2012, Rcl 8.055/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte
Especial, julgado em 1º/08/2012, DJe 09/08/2012 e AgRg
no AREsp 111.378/SP, Rel. Min. Herman Benjamin,
Segunda Turma, julgado em 06/09/2012, DJe
24/09/2012).
Com a Lava Jato, o pêndulo da História oscila novamente
para reações ao trabalho desempenhado em primeira
instância, pelas instituições envolvidas.
Esse não é o único diploma legislativo com o escopo reativo
de tentar barrar o trabalho dos órgãos de persecução
criminal. Pode ser citada também, entre outras, a medida
provisória 703/2010, referente aos acordos de leniência.
Na Itália, a operação Mãos Limpas, também gerou reações
legislativas retrógadas, como demonstrado no artigo “Mãos
Limpas” (Matias Spektor, Folha de São Paulo, 10/03/2016).
Com efeito, após a bem-sucedida operação, Berlusconi, e
Matteo Renzi, deram o troco: aprovaram leis para solapar a
autonomia do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Ainda, conseguiram descriminalizar o caixa dois.
Como já se sabe que o projeto de lei é inconstitucional e
natimorto, porquanto não se pode cogitar do foro
privilegiado a antigas autoridades, almeja-se agora nomear
o ex-presidente Lula, alvo de investigações, como ministro.
O propósito é tão somente lhe garantir o foro por
prerrogativa da função que passaria a exercer. Ocorre que,
a Suprema Corte, também tem precedentes que indicam
com segurança a inadmissibilidade da manobra para fins de
deslocamento do órgão julgador.
A hipótese da nomeação só para buscar a competência da
Suprema Corte não encontra precedentes na nossa
História. Mas já há julgados sobre duas situações inversas,
porém idênticas se observada a finalidade pretendida.
Naqueles dois casos, houve a renúncia de dois
parlamentares para escapar de uma condenação definitiva,
e a pena privativa da liberdade dela decorrente.
A motivação visou a uma fraude processual. Por isso, se
deu com desvio de finalidade. O Presidente da República
detém a competência outorgada, que é administrar e gerir
o bem público. O limite é o respeito à sua finalidade: o
atendimento aos anseios da coletividade representada.
Assim como não se pode desapropriar o imóvel de um
inimigo, imbuído do mero espírito mesquinho de inimizade,
não é possível nomear um ministro para fins de
afastamento do juiz competente. Aquele que tem o poder-
dever de analisar um caso concreto. Entendimento
contrário feriria de morte a independência do Poder
Judiciário. Nessa linha, o desembargador Vladmir Passos de
Freitas, em artigo publicado no CONJUR, em 13/03/2016,
intitulado “nomeação para dar foro privilegiado a réu é ato
administrativo nulo” assevera com precisão o desvio de
finalidade. A posição deste artigo vai ao encontro de dois
precedentes recentes do guardião da Constituição.
No primeiro caso, o Pleno do STF, começou o julgamento
do então deputado Júlio Cezar Gomes dos Santos. Um
ministro pediu vista dos autos e, imediatamente, o
parlamentar renunciou. O propósito era que o processo
fosse encaminhado ao primeiro grau. Apesar disso, a Corte
entendeu a renúncia ineficaz pois “uma vez iniciado o
julgamento do Parlamentar nesta Suprema Corte, a
superveniência do término do mandato eletivo não desloca
a competência para outra instância” (Inq 2295, r. Min
Menezes Direito, j. 23 /10 /2008).
A censura do Pretório Excelso se deu pois o objetivo
inescondível do ato era o de retirar os juízes naturais do
seu processo. Ou seja, o ato de renúncia foi praticado com
atalhamento constitucional, para impedir ou dificultar a
legítima persecução penal do Estado. Aceitar esse motivo
para modificar o juízo seria enfraquecer a força normativa
da Constituição, ao transformar o processo em um terreno
de astúcias e conveniências.
No segundo caso, imbuído do mesmo espírito
inconstitucional, o Deputado Federal Natan Donadon – que,
nesse processo, viria a se tornar o primeiro parlamentar
preso no exercício do mandato, desde a redemocratização –
tinha renunciado ao mandato um dia antes da data de seu
julgamento.
O STF entendeu que houve abuso de direito e fraude
processual, pois a renúncia visava, novamente, a retirar os
juízes naturais de seu processo, conforme a divisão
constitucional estabelecida de competências. Aceitar a
modificação pretendida, dos magistrados a analisarem o
caso, teria o condão de enfraquecer o princípio da
supremacia da Constituição.
Nesse eito, a razão de decidir foi de que o ato de renúncia
só é legítimo, se não tiver a finalidade desviada. Ao revés,
há nulidade se a renúncia for manejada com o fim de
impedir ou atrasar um julgamento, ou uma ordem restritiva
da liberdade. A ementa do julgado estatuiu que “(…)
Renúncia de mandato: ato legítimo. Não se presta, porém,
a ser utilizada como subterfúgio para deslocamento de
competências constitucionalmente definidas, que não
podem ser objeto de escolha pessoal. Impossibilidade de
ser aproveitada como expediente para impedir o
julgamento em tempo à absolvição ou à condenação e,
neste caso, à definição de penas. 2. No caso, a renúncia do
mandato foi apresentada à Casa Legislativa em 27 de
outubro de 2010, véspera do julgamento da presente ação
penal pelo Plenário do Supremo Tribunal: pretensões
nitidamente incompatíveis com os princípios e as regras
constitucionais porque exclui a aplicação da regra de
competência deste Supremo Tribunal. (…) STF. Plenário. AP
396/RO, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 28/10/2010.”
Agora, o pêndulo do jogo político oscila para a possível
nomeação do ex-presidente Lula, para o cargo de ministro
de Estado, com a finalidade de não ser julgado pelo juiz
natural da demanda. Ocorre que, a Constituição existe
justamente para limitar o político pelo jurídico; em outras
palavras, permitir apenas o exercício do Poder desde que
constitucionalmente adequado e amparado.
Por isso, como a investigação já foi iniciada, e a assunção
de um Ministério dar-se-ia tão somente para escapar do
juiz de primeira instância, em uma fraude processual
evidente, tal como se deu nos dois precedentes citados.
Em suma, se mantidos os fundamentos que inspiraram os
julgados retratados acima, verifica-se que, tanto o projeto
de lei, para a atribuição de foro a ex-presidentes, quanto a
pretendida nomeação de ex-presidente, para o cargo de
Ministro, não serão aptos a gerar o foro privilegiado. Como
no caso julgado semana passada, o epílogo já é de
antemão conhecido.
Por Ilan Presser - Juiz federal na Turma Recursal de
Belém do Pará e professor de Direito Ambiental no curso
preparatório Ênfase / blog JOTA - UOL
cargo de Ministro segundo
Juiz Federal baseado em
julgamentos do STF
Foto: BBC
Na semana passada, o STF reiterou a tese remansosa e
iterativa, no sentido da impossibilidade de membros do
Ministério Público exercerem cargos no Poder Executivo, ao
julgar a nomeação do novo Ministro da Justiça, na ADPF
388.
Naquele caso, a derrota para o governo se desenhava como
uma tragédia anunciada. Isso porque todos os precedentes
da Corte convergiam no sentido de que o membro do
Ministério Público não pode se afastar de suas funções para
exercer cargo fora da estrutura do órgão, salvo o
Magistério. A orientação estava firmada nos seguintes
julgados: Adi 2.084/sp, rel. Min. Ilmar Galvão –Adi
2.836/RJ, rel. Min. Eros Grau – adi 3.298/ES, rel. Min.
Gilmar Mendes – adi 3.838-mc/DF, rel. Min. Carlos Britto
– Adi 3.839-mc/MT, rel. Min. Carlos Britto – ms 26.325-
mc/df, rel. Min. Gilmar Mendes.
A importância da análise de precedentes se dá pois há uma
função pedagógica nas decisões do Poder Judiciário: a
sinalização à sociedade, e para os que exercem o Poder, de
como se deve atuar prospectivamente. Nessa linha, os
juízes, quando decidem, visam a evitar conflitos futuros, e
ficam atentos aos efeitos colaterais de suas decisões, em
uma perspectiva consequencialista.
Com a análise da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, verifica-se que o governo parece determinado a
buscar mais duas derrotas, ambas em matéria de foro por
prerrogativa de função. São reveses que já podem ser de
antemão conhecidos.
A primeira tentativa vem da proposta de um projeto de lei
para dar foro privilegiado a ex-presidentes da República,
ventilada recentemente no Parlamento. A segunda é a
nomeação de uma ex-autoridade para ocupar o cargo de
ministro de Estado, com o inescondível objetivo de
obtenção do foro privilegiado.
Comecemos pelo primeiro ponto.
Há cerca de uma década, o STF interpretou a Constituição
no sentido de que o foro por prerrogativa de função só
pode existir durante o exercício do mandato. Assim, o Pleno
do STF, por 7 votos a 3, na ADIN 2797, entendeu
inconstitucional a lei 10.628/02, que estendeu para ex-
autoridades o foro privilegiado.
Entenderam os ministros que o fundamento a legitimar a
existência do foro diferenciado, é a proteção do cargo, ou
seja, do interesse público. E jamais da pessoa que o ocupa
temporariamente. Do contrário haveria a prevalência de um
interesse meramente privado.
Na ocasião, o relator das ações, ministro Sepúlveda
Pertence, asseverou que o Congresso praticou abuso do
poder de legislar, ao tentar restabelecer por lei o foro
especial de ex-autoridades, que o STF já tinha derrubado
em 1999.
Uma das razões à busca da extensão do foro para ex-
autoridades foi a notícia da prisão, à época, do ex-
presidente argentino Carlos Menem, por decisão do juiz
federal Jorge Urso, após o fim de seu mandato, em 2001.
Assim, a lei foi aprovada, e sancionada pelo ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, no apagar das luzes de seu
mandato.
Além da prisão do ex-presidente argentino, por um juiz de
primeiro grau, o STF tinha cancelado a súmula 394. Esta
dispunha que “cometido o crime durante o exercício
funcional, prevalece a competência especial por
prerrogativa de função ainda que o inquérito ou a ação
penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”
O verbete fora editado em 3/4/1964, não por acaso 2 dias
após a deflagração do golpe militar de 1964, em uma
quadra histórica superada com a Constituição Cidadã. Com
a nova ordem constitucional, o enunciado foi cancelado,
com o julgamento de questões de ordem entre os anos de
1999 e 2001 (Inq 687, (DJ de 9/11/2001), na AP 315 (DJ
de 31/10/2001), na AP 319 (DJ de 31/10/2001), no Inq
656 (DJ de 31/10/2001), no Inq 881 (DJ de 31/10/2001) e
na AP 313 (DJ de 12/11/1999)).
Naquele momento o Supremo Tribunal Federal deu o
recado de que, em uma República democrática, o foro só se
legitima em bases excepcionais. E nunca para fins de
favorecimento pessoal do inquilino que detém
momentaneamente o exercício do Poder, que pertence ao
povo.
Por essa razão, no mesmo julgado, e na mesma linha de
raciocínio, o STF entendeu inconstitucional o foro especial
nas ações por improbidade administrativa, com a mesma
interpretação restritiva para o instituto de excepcional
deslocamento da competência. Tal entendimento foi
reafirmado em precedentes como AI 556727 AgR/SP, Rel.
Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 20/03/2012,
DJe 26/04/2012; ARE 700359/SP, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgado em 06/08/2012, DJe 10/08/2012;
AC 3170/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
29/06/2012, DJe 1º/08/2012; RE 664350/DF, Rel. Min. Luiz
Fux, julgado em 27/06/2012, DJe 02/08/2012; RE 540712
AgR-AgR/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em
27/11/2012, DJe 13/12/2012.
Voltando ao foro privilegiado, em matéria criminal, para ex-
autoridades, sempre houve tentativas de mitigar a
orientação estabelecida. Ocorre que, os Tribunais
Superiores repisaram, ao longo dos anos, de maneira
uníssona e remansosa o evidente: autoridades que se
aposentam, ou encerram o mandato, perdem a
prerrogativa de foro. Com esses julgados, parecia colocada
uma pá de cal sobre a polêmica. Como exemplos podem
ser citados a Pet 3421 AgR/MA, Rel. Min. Cezar Peluso,
Tribunal Pleno, julgado em 25/06/2009, DJe 04/06/2010,
HC 106871/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma,
julgado em 27/03/2012, DJe 11/04/2012; Rcl 4213/ES,
Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 08/08/2012, DJe
15/08/2012, Rcl 8.055/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte
Especial, julgado em 1º/08/2012, DJe 09/08/2012 e AgRg
no AREsp 111.378/SP, Rel. Min. Herman Benjamin,
Segunda Turma, julgado em 06/09/2012, DJe
24/09/2012).
Com a Lava Jato, o pêndulo da História oscila novamente
para reações ao trabalho desempenhado em primeira
instância, pelas instituições envolvidas.
Esse não é o único diploma legislativo com o escopo reativo
de tentar barrar o trabalho dos órgãos de persecução
criminal. Pode ser citada também, entre outras, a medida
provisória 703/2010, referente aos acordos de leniência.
Na Itália, a operação Mãos Limpas, também gerou reações
legislativas retrógadas, como demonstrado no artigo “Mãos
Limpas” (Matias Spektor, Folha de São Paulo, 10/03/2016).
Com efeito, após a bem-sucedida operação, Berlusconi, e
Matteo Renzi, deram o troco: aprovaram leis para solapar a
autonomia do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Ainda, conseguiram descriminalizar o caixa dois.
Como já se sabe que o projeto de lei é inconstitucional e
natimorto, porquanto não se pode cogitar do foro
privilegiado a antigas autoridades, almeja-se agora nomear
o ex-presidente Lula, alvo de investigações, como ministro.
O propósito é tão somente lhe garantir o foro por
prerrogativa da função que passaria a exercer. Ocorre que,
a Suprema Corte, também tem precedentes que indicam
com segurança a inadmissibilidade da manobra para fins de
deslocamento do órgão julgador.
A hipótese da nomeação só para buscar a competência da
Suprema Corte não encontra precedentes na nossa
História. Mas já há julgados sobre duas situações inversas,
porém idênticas se observada a finalidade pretendida.
Naqueles dois casos, houve a renúncia de dois
parlamentares para escapar de uma condenação definitiva,
e a pena privativa da liberdade dela decorrente.
A motivação visou a uma fraude processual. Por isso, se
deu com desvio de finalidade. O Presidente da República
detém a competência outorgada, que é administrar e gerir
o bem público. O limite é o respeito à sua finalidade: o
atendimento aos anseios da coletividade representada.
Assim como não se pode desapropriar o imóvel de um
inimigo, imbuído do mero espírito mesquinho de inimizade,
não é possível nomear um ministro para fins de
afastamento do juiz competente. Aquele que tem o poder-
dever de analisar um caso concreto. Entendimento
contrário feriria de morte a independência do Poder
Judiciário. Nessa linha, o desembargador Vladmir Passos de
Freitas, em artigo publicado no CONJUR, em 13/03/2016,
intitulado “nomeação para dar foro privilegiado a réu é ato
administrativo nulo” assevera com precisão o desvio de
finalidade. A posição deste artigo vai ao encontro de dois
precedentes recentes do guardião da Constituição.
No primeiro caso, o Pleno do STF, começou o julgamento
do então deputado Júlio Cezar Gomes dos Santos. Um
ministro pediu vista dos autos e, imediatamente, o
parlamentar renunciou. O propósito era que o processo
fosse encaminhado ao primeiro grau. Apesar disso, a Corte
entendeu a renúncia ineficaz pois “uma vez iniciado o
julgamento do Parlamentar nesta Suprema Corte, a
superveniência do término do mandato eletivo não desloca
a competência para outra instância” (Inq 2295, r. Min
Menezes Direito, j. 23 /10 /2008).
A censura do Pretório Excelso se deu pois o objetivo
inescondível do ato era o de retirar os juízes naturais do
seu processo. Ou seja, o ato de renúncia foi praticado com
atalhamento constitucional, para impedir ou dificultar a
legítima persecução penal do Estado. Aceitar esse motivo
para modificar o juízo seria enfraquecer a força normativa
da Constituição, ao transformar o processo em um terreno
de astúcias e conveniências.
No segundo caso, imbuído do mesmo espírito
inconstitucional, o Deputado Federal Natan Donadon – que,
nesse processo, viria a se tornar o primeiro parlamentar
preso no exercício do mandato, desde a redemocratização –
tinha renunciado ao mandato um dia antes da data de seu
julgamento.
O STF entendeu que houve abuso de direito e fraude
processual, pois a renúncia visava, novamente, a retirar os
juízes naturais de seu processo, conforme a divisão
constitucional estabelecida de competências. Aceitar a
modificação pretendida, dos magistrados a analisarem o
caso, teria o condão de enfraquecer o princípio da
supremacia da Constituição.
Nesse eito, a razão de decidir foi de que o ato de renúncia
só é legítimo, se não tiver a finalidade desviada. Ao revés,
há nulidade se a renúncia for manejada com o fim de
impedir ou atrasar um julgamento, ou uma ordem restritiva
da liberdade. A ementa do julgado estatuiu que “(…)
Renúncia de mandato: ato legítimo. Não se presta, porém,
a ser utilizada como subterfúgio para deslocamento de
competências constitucionalmente definidas, que não
podem ser objeto de escolha pessoal. Impossibilidade de
ser aproveitada como expediente para impedir o
julgamento em tempo à absolvição ou à condenação e,
neste caso, à definição de penas. 2. No caso, a renúncia do
mandato foi apresentada à Casa Legislativa em 27 de
outubro de 2010, véspera do julgamento da presente ação
penal pelo Plenário do Supremo Tribunal: pretensões
nitidamente incompatíveis com os princípios e as regras
constitucionais porque exclui a aplicação da regra de
competência deste Supremo Tribunal. (…) STF. Plenário. AP
396/RO, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 28/10/2010.”
Agora, o pêndulo do jogo político oscila para a possível
nomeação do ex-presidente Lula, para o cargo de ministro
de Estado, com a finalidade de não ser julgado pelo juiz
natural da demanda. Ocorre que, a Constituição existe
justamente para limitar o político pelo jurídico; em outras
palavras, permitir apenas o exercício do Poder desde que
constitucionalmente adequado e amparado.
Por isso, como a investigação já foi iniciada, e a assunção
de um Ministério dar-se-ia tão somente para escapar do
juiz de primeira instância, em uma fraude processual
evidente, tal como se deu nos dois precedentes citados.
Em suma, se mantidos os fundamentos que inspiraram os
julgados retratados acima, verifica-se que, tanto o projeto
de lei, para a atribuição de foro a ex-presidentes, quanto a
pretendida nomeação de ex-presidente, para o cargo de
Ministro, não serão aptos a gerar o foro privilegiado. Como
no caso julgado semana passada, o epílogo já é de
antemão conhecido.
Por Ilan Presser - Juiz federal na Turma Recursal de
Belém do Pará e professor de Direito Ambiental no curso
preparatório Ênfase / blog JOTA - UOL
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